NINGUÉM FILMOU >> Nádia Coldebella

As vezes a mulher tem a sensação de estar sendo observada. Como se ela estivesse num imenso programa de tevê, um reality show, mas sem saber que faz parte dele.

- Parece que estou naquele filme, o Show de Truman - disse para si mesma, lembrando que, quando o personagem encontrava a porta da saída, o programa, até então ininterrupto, terminava, e as pessoas resolviam voltar para o que estavam fazendo antes de o programa começar. 

Talvez houvesse um momento em que a vida resolvesse desligar os celulares, os computadores, a internet, e as pessoas voltariam ao que faziam antes. Voltariam para a vida real. 

A voz suave da filha a sequestrou dos seus devaneios.

- Olha, mamãe, a bola! - A menina apontava para uma bola amarela que boiava dentro do lago do parque. Ela observou aquela criança, muito especial, olhar calmamente para a água. - É tão bom de ver, mamãe...

A mulher, agora abandonando qualquer pensamento, fixou os olhos no movimento do brinquedo que era levado pelas ondinhas criadas pelo vento. Ali perto, três crianças também acompanhavam-no, esperando a oportunidade de retirá-lo da água e continuar o jogo.

- Vai demorar um pouco, filha, mas ela logo estará na borda do lago.

A menina fez uma cara de decepção.

- Quero que demore, mamãe. - A mãe ficou confusa. - Olha as pessoas...

Só então a mãe reparou que muita gente, como ela, havia se sentado de frente para a água e, deixando os pensamentos de lado, simplesmente observava a dança que a bola fazia na superfície do laguinho. Todos hipnotizados, aguardando o desfecho da história.

Ficaram em silêncio por uns quinze minutos, só observando. As vezes um comentário aqui, as vezes outro ali. Mas quando a bola encostou na borda do lago, ela e a filha fizeram torcida para que a menor das crianças pegasse o brinquedo. A menina vibrou quando a criancinha conseguiu.

Logo, todo mundo voltou-se para dentro: dedilharam seus celulares, falaram da vida alheia, viraram as costas para as ondinhas do laguinho. 

- Um momento pueril - pensou a mãe - e ninguém filmou. 

A mãe ouviu um tchibum. Olhou para o lado e não viu a filha.

- Olha, mamãe, a bola! - gritou a menina, que fora até a beira do lago. Estava orgulhosa de si: pegara a própria bola e jogara na água.

As cadeiras novamente se viraram, agora para acompanhar os movimentos de uma bola vermelha nas ondas do laguinho.

Aquela menina era uma criança especial, com toda certeza.




Comentários

whisner disse…
Que legal! Sabe que outro dia estava caminhando em um parque aqui e ficamos olhando uma bola de futebol no lago? No caso, voltamos lá por três dias seguidos e a bola continuava no mesmo lugar. Mas é uma cena mágica, que nos dá um sossego, mesmo. Parabéns.
Albir disse…
Condessa, você está tão terapeuta hoje! Nem estou com medo. Vou fazer meditação olhando a bola no lago. Beijos
Zoraya Cesar disse…
Countess!! Não Velvet à toa! Uma história de veludo macio e aconchegante. Uma história pra tocar nossa sensibilidade: há quanto tempo nao paramos e, deixando a realidade externa de lado, nos concentramos, ou melhor, pairamos, olhando as bolas que flutuam nos lagos? Que texto lindo! O título, um primor. Mas, que bom que ninguém filmou. Sinal que a bola transportou todos, ao menos por uns instantes, para um mundo melhor.
André Ferrer disse…
Albir está certo: terapêutico.
Nadia Coldebella disse…
Muito grata pelos comentários, amiguinhos!

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