#6 >> Fred Fogaça

 


Existe uma gaveta que o faz lembrar dos anos oitenta - câmeras de filme trinta e cinco milímetros, caixas de produtos que já não existem mais, um relógio de bolso edição especial de uma revista semanal - e era só a que tinha - colares e anéis, camisas e calças, convites e amizades - souvenires que faziam sentido, a extensão de uma vida organizada pra ser preservada. Cedo, tipo cinco, abria, e olhava, imóvel. Trabalhava em silêncio, almoçava em silêncio, voltava em silêncio pra casa sem descendências, abria a gaveta, e olhava, imóvel. Vivia o dia pelo próximo, sonhava com a gaveta fora de contexto pela noite e não esboçava reação: não esboçava reação se não quando acordava, quase todos os dias, mas não hoje. Não hoje.


Comentários

Nadia Coldebella disse…
Acho q todo mundo tem uma gaveta assim dentro de si, não é?
Zoraya Cesar disse…
Fred, o princípe das entrelinhas, cada vez mais conciso e profundo. Amei essa! Dá várias leituras, nenhuma delas confortável.
Albir disse…
Gaveta dolorosa, pode-se até não abrir, mas ninguém esquece que ela está lá.
Carla Dias disse…
Ah, Fred, quem nunca teve de lidar com uma gaveta dessas?

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