KISITO - final >> Albir José Inácio da Silva

 

(Continuação de 04/10/2021)

Isso chegou aos ouvidos da mãe, que ficou de cama, despedindo-se a cada dia, e ele na cabeceira se culpando.  A velha só melhorou quando ele prometeu.

 

Como tinha quase matado a mãe de desgosto, passou no vestibular pra medicina. As aulas práticas eram as mais dolorosas, mas tudo ele suportou com estoicismo.  Na formatura a mãe era a pessoa mais alegre e ele, a mais triste. Ela enxergava um futuro glorioso com consultas diárias e cuidados redobrados.  Ele adivinhava o que seriam seus plantões no hospital. Os irmãos desdenhavam: - outro fracasso!

 

Esgueirava-se Quisito pelos corredores do hospital na tentativa de fugir de pacientes, sangue e gemidos da Emergência, quando esbarrou num grupo formado por dois diretores, o chefe da cardiologia e um gringo louro e desgrenhado.

 

Os quatro não se entendiam, apesar do inglês razoável dos brasileiros. A conversa era sobre um equipamento milionário que haviam importado. Balançavam a cabeça negativa e desanimadamente. De vez em quando uma troca de acusações.

 

Com humildade, Quisito pediu licença e explicou pro gringo o que o diretor queria dizer. O louro respondeu e ele esclareceu para o diretor.

 

Quisito ficou uns dez minutos traduzindo engenheirês para mediquês e vice versa, e as perguntas foram surgindo, os cenhos se desfranzindo e os sorrisos aparecendo. Os homens foram para a sala de reunião, o diretor conduziu Quisito com a mão no ombro.

 

O hospital parou de pagar viagens caras de técnicos estrangeiros porque com um telefonema Quisito resolvia, entendia e explicava aos técnicos, médicos e diretores, e ficavam todos encantados.

 

Quisito ganhou uma sala ao lado da diretoria e um salário de que nunca tinha ouvido falar.  Agora presta serviço para vários hospitais, apesar dos ciúmes do diretor.

 

A mãe não entende bem o que está acontecendo, mas com dinheiro e carinho fica feliz, embora de vez em quando pergunte: “quando você vai clinicar?”

 

Além de arrogantes, os irmãos eram também incompetentes e, com a crise, estão sem clientes e sem empregos, apesar de seus diplomas e narizes empinados. Quisito, além da mesada, vive tentando encaixá-los em alguma atividade que possam minimamente executar.

 

A namorada esquisita sabe tudo de informática, administra, contabiliza, faz os contatos, os contratos e impede que gatunos amigos e irmãos de Quisito o passem para trás. A firma não para de crescer.

 

Quisito não tem  segurança para prescrever uma aspirina ou projetar uma janela, mas o que ele faz, só ele faz e desperta a admiração de médicos e engenheiros.  

 

O apelido, que veio como bullying, hoje integra o nome da empresa: KISITO - Soluções em Saúde Ltda.

 

Comentários

branco disse…
mestre albir. E assim é a vida, uns se formam em medicina e gostam de clínicas, outros trabalham duro e honestamente , e ainda arrumam uma crônicas pra lá de excelentes. seu martelo sempre bate no prego certo meu irmão!
Zoraya Cesar disse…
ahhhhh puxa, ainda bem, um final feliz, felicíssimo! obrigada, Dom Albir! eu já tava agoniada. de finais esquisitos bastam os meus e os da Countess. Você é um Dom! e esse texto levinho e gostoso e feliz acalmou minha noite!
Albir disse…
Obrigado, Branco e Zoraya!

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