AZURRINA - Parte Final >>> Nádia Coldebella


Apesar de antiga, a construção ainda estava preservada. Algumas trepadeiras escalavam tijolos,  já machucados pela ação do tempo. A direita, encontrava-se uma torre alta que servia de abrigo para os pássaros que por ali passavam.  As janelas da torre estavam completamente nuas e, quando os ventos fortes do inverno chegavam, cruzavam-nas, emitindo um uivo macabro. Nas imediações, havia uma espécie de porão, que provavelmente, em outros tempos, servira de abrigo ou esconderijo. Os antigos contavam que ali encontrava-se um sem número de túneis que ligavam o castelo a diversas igrejas e outras construções que abundavam na região. Os habitantes do lugarejo temiam o local que julgavam assombrado, e, por causa disso,  dificilmente viriam até ali.

Ele sentou-se em uma pedra e observou a irmã que, alheia ao perigo, corria pela grama e ria, brincando com as sombras que eram formadas pelos raios de sol ao inundar de luz seu cabelo albino. Repentinamente, ela abaixou-se e sua expressão era de espanto: encontrara uma pequena pedra vermelha, muito bonita, que parecia ter sido esculpida a mão. Levou-a até o irmão e entregou-lhe. Luigi abraçou a menina com ternura e pôs-se, cuidadosamente, a analisar o pequeno tesouro. Ele ainda admirava o artefato, quando ouviu, ao longe, o chamado do pai. 

- Papai - apontou a criança, distraindo-se em seguida, com pequenos insetos que saltitavam pela grama. O rapaz levantou-se e deu alguns passos a frente. O pai estava sozinho e ambos permaneceram calados alguns instantes, para se certificar que não havia mais ninguém chegando. O menino achou estranho o silêncio não ser cortado pelas exclamações da irmãzinha. Seu olhar percorreu toda a construção e ele saiu em passos rápidos, seguido pelo pai, gritando o nome da criança e espantando um bando de pássaros brancos que, com os raios de sol em suas costas, alçaram voo em direção ao sul.



Luigi acordou suado, chorando e tremendo. Havia gritado pelo nome da irmã. Foi acalmado pela esposa, que o acalentou nos braços. Em todos esses anos, os sonhos se repetiam, nítidos e repletos de lembranças aterradoras: os mapas dos túneis trazidos pelo padre da cidade vizinha, ele e os familiares revistando cada canto do castelo, pessoas de toda parte se juntando na busca. No final, todos desistiam e os pais, desesperados, lançavam o rosto por terra. E ele via a irmãzinha, branca e iluminada, chamando por ele, para depois se extinguir, como uma luz que se apaga. 

Sentiu-se enjoado, não sabia se pelas noites mal dormidas ou se pelo balanço das ondas. Castello di Godego, era o nome do navio - ironicamente, o mesmo nome da construção. Ele virou-se no colchão e colocou a mão no bolso. A pedra vermelha estava lá e ele a levaria consigo até a América. As lembranças, porém, ele queria que se perdessem para sempre nos nevoeiros que às vezes visitavam o oceano.

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Para você saber: 

Azzurrina é uma lenda italiana da Idade Média, que eu tomei a liberdade de misturar um pouco com memorias da minha família. La Befana é uma lenda italiana também.

O cartaz que ilustra esse conto é uma propaganda do governo italiano, para estimular as emigrações em uma época que o pais era assolado por fome e miséria.

Você pode ler a primeira parte dessa historia clicando aqui.




Comentários

Zoraya Cesar disse…
NadiaBella, esse é tão triste, blue, blue, blue, azul de triste. E lindo. Nada a surpreender, sendo texto seu.

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