ABANDONO >> Paulo Meireles Barguil
“Meu Deus, meu Deus!
Por que me abandonaste?”
(Mt 27, 46b)
Dilacera a alma perder o aconchego que acreditávamos eterno.
A separação propicia morte e nascimento, em escalas imperceptíveis.
Durante a nossa vida, inúmeras vezes, sentiremos e proporcionaremos desamparo: seremos, inexoravelmente, vítimas e algozes.
Um relacionamento é para dar ou para receber?
É possível usufruí-los simultaneamente?
Será que as pessoas conhecem as suas intenções e as das outras?
Até que ponto elas são corajosas para enunciá-las?
Será que as pessoas identificam as suas limitações e as das outras?
Até que ponto elas são honestas para verbalizá-las?
Afastar-se pode ser um ato de coragem... ou de covardia.
A análise do ocorrido depende do papel de cada pessoa na cena – seja vivenciando-a, seja assistindo-a – e do momento em que a avaliamos.
O que dizer do abandono de si mesmo?
Do silencioso suicídio diário, em que não conseguimos falar, ouvir e seguir a nossa voz interna e, assim, murchamos nossa alma e apunhalamos nosso corpo?
Às vezes, devido ao medo de sofrermos novamente e para nos defendermos, fugiremos antes que o outro se aproxime e, assim, permaneceremos presos em laços invisíveis que nos sufocam, ao mesmo tempo em que bradaremos o quão somos livres...
Outras vezes, em virtude da coragem de romper o nó cego, talvez impulsionados pela dor insuportável, abriremos as nossas feridas, principalmente as ignoradas, e ousaremos curá-las.
Uma cicatriz não significa que o processo foi finalizado, mas apenas indica que algo está sendo transformado.
Sucumbimos, muitas vezes, a abusos e assédios, de qualquer natureza, porque a conexão interna – que está relacionada ao autoconhecimento, à autoaceitação e à autoestima – foi pouco desenvolvida.
Para acelerarmos as mudanças, precisamos aceitar que todos somos dignos de navegar no amor – distribuindo e colhendo – mesmo aqueles que, no nosso entendimento, agem de forma cretina.
O mais comovente deste enredo, encenando
há milênios pela Humanidade, é que a cura de uma chaga não se limita à
pessoa agraciada, mas contempla, de modo incalculável, todos que com ela
convivem.
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