CORAGEM! EU ESTOU AQUI - final >> Albir José Inácio da Silva
(Continuação de 10/07/17 – Zé do Porco não reclamava da miséria na
roça, até porque não conhecia outra vida. Mas como não era ele quem decidia
nada, acompanhou a namorada e o amigo Magrelo numa aventura pelo Rio de
Janeiro. Pensou que as coisas iam bem pela quantidade de trabalho, mas
enganou-se.)
- As coisas tão ruins, Zé. Dinheiro só dá pra
pagar, sobra nada. O porco em pé tá muito caro e, na hora de vender, não querem
pagar muito. Os frigoríficos vendem mais barato e com documentos, certificados.
Zé largou o prato, perdeu a fome
- coisa que raramente o abandonava.
- Pensei que ia bem, com tanto
trabalho! – gemeu.
- Hoje mesmo tive que vender o
cordão com Nossa Senhora que a minha mãe me deixou.
- Não Magrelo! Tu não pode fazer
isso. Aquilo é lembrança de mãe!
- Que se há de fazer, Zé? Já foi.
Zé do Porco continuou trabalhando
no mesmo ritmo, apesar da tristeza. O trabalho espantava os pensamentos. Não
ligava se voltassem pra roça. Pra ele aquilo não era ruim. Mas tinha pena dos
outros, que não gostavam de lá.
O que Zé do Porco não sabia era
que a tristeza não parava por aí. Dessa vez foi Nalva que trouxe mais.
- Zé, eu vou-me embora. Não tô
gostando mais de tu nem dessa casa. Também não vou voltar praquele fim de mundo
não. Arrumei serviço de doméstica e vou ficar pelo Rio mesmo. Já peguei minhas
coisas, viu? Adeus, Zé!
Zé nem falou nada. Queria dizer,
“mas Nalva a gente tá junto há tanto tempo, o que que eu te fiz?” Mas não
conseguiu.
Matou-se no trabalho mais um
tempo, até que Magrelo falou:
- Dá mais não, Zé. Tamo pagando
pra trabalhar. Hoje liquidei umas contas e vou entregar a casa. Vou voltar pra
roça mais não. Não tenho paciência praquela vida. Arranjei trabalho no mercado
e posso dormir lá no armazém. Infelizmente não dá pra tu não. Tem que saber ler
e escrever. Tu dá lembrança a todos por lá e diz que quando der eu vou visitar.
Tá aqui o que sobrou de dinheiro, fica com mais. Vou ficar com esses trocados
aqui pra me virar até o pagamento. Dê cá um abraço, Zé. Nós vamos continuar
irmãos.
Magrelo saiu sem ver as lágrimas
do Zé amarrando a trouxa. Nem ferramentas levou de volta. No ônibus ainda
suspirava comprido, olhando a estrada.
Lá nos cafundós do Jequitinhonha,
Zé do Porco definhava. Foi Seu Aristides que aconselhou:
- Mulé, depois que desgosta da
gente, a gente não corre atrás não. Mas amigo é diferente, Zé. Tu tá sem jeito
aqui sem ninguém. Vai ver como está se virando Magrelo por lá. Quem sabe tu
arranja trabalho também? Nunca vi morrer de fome quem quisesse trabalhar. Aqui
tu vai morrer de desgosto.
Partiu Zé naquela noite mesma.
Chegou ao Rio com o sol. Perguntou
ao antigo senhorio se sabia do seu amigo Magrelo.
- Em frente à Matriz, no açougue.
Então arranjou trabalho em
açougue? Não há de ser cortando carne, que não sabe!
A primeira coisa que Zé do Porco viu
foi Nalva, estendendo camisa de homem no terraço do sobrado, de cabelo louro. Conheceu
só pela voz, porque ela cantava uma modinha que ele escutou muitas vezes antes.
Dali a pouco, um empregado levantou
com estrondo uma das três portas de aço. Outro caixeiro colocou na calçada o
cavalete com a promoção do dia, mas Zé não sabia ler.
Lá no fundo, atrás da
registradora, Magrelo gritava ordens e xingamentos aos empregados. Os ouvidos do
Zé escutavam, mas a cabeça já não entendia nada.
Não havia gente na rua nem
cliente no açougue àquela hora. Os empregados foram para os fundos. Já atrás do
balcão, Zé escolheu a faca de lâmina fina que reconheceu como sua preferida.
Reconheceu também o cordão com a Nossa Senhora no peito do Magrelo de camisa
aberta. “Ué, não tinha vendido?”
Magrelo levou um susto quando a
faca entrou abaixo do esterno. Arregalou os olhos.
- Zé!
Foi um trabalho limpo, de quem sabe fazer. Uma leve
torção de punho. Tudo por dentro. Nada de sangue pela boca nem esguicho na
faca.
- Vai doer nada não, Magrelo. Eu
sei fazer isso. – disse Zé com uma ponta
de orgulho profissional. – Coragem! Eu estou aqui – acrescentou.
Segurou com a mão livre o ombro de
Magrelo e encostou sua testa na dele durante alguns espasmos. Até que o amigo
se acalmou e fechou os olhos.
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