CORAGEM! EU ESTOU AQUI >> Albir José Inácio da Silva

Cresceram juntos, mais que irmãos. Nunca pararam pra combinar coisa alguma, mas a sobrevivência impunha a sociedade. Fazia cada um o que sabia no negócio de porcos. Zé do Porco matava porco e Magrelo fazia contas e negócios.

Zé do Porco matava porco desde que se lembra. Como seu pai e, talvez, seu avô, mas não tem certeza. Memória, aliás, ele não tem muita, de nada. Nada dessas coisas de lembrar, pensar,  resolver. Sabia ir vivendo, forte como um touro. Gostava de trabalhar, de comer e de Nalva.

Nalva namorava Zé do Porco há muito tempo, meio desesperançada porque ele era Zé do Porco.

Magrelo era magrelo mesmo. Seco e ágil, não gostava de trabalho duro, mas era manhoso na barganha e nas contas. Fazia, segundo ele mesmo, milagre nas contas.

A questão é que não tinham porco pra matar. Alugavam o trabalho do Zé quando alguém precisava. Mas quem tinha porco matava seu próprio porco. Ficavam na dependência de algum idoso ou viúva que precisasse.

Foi Nalva que teve a ideia, Magrelo gostou, e Zé do Porco não queria.

- Não gosto de cidade! E não quero ficar longe de tu, Nalva.

Mas a coisa estava mesmo ruim. Ninguém matava porco, ninguém vendia porco porque ninguém comprava porco. Comprava-se fubá, farinha, feijão, ovo - quando muito. Pra isso que tomaram o governo? – perguntava-se.

Zé acabou concordando quando Nalva falou que ia junto. Reuniram as economias, e Magrelo partiu na frente pra arrumar lugar. Depois foram Zé, Nalva e as trouxas que pegaram ônibus pro Rio de Janeiro. Alugaram uma casa no subúrbio distante, com um quintal pra Zé do Porco trabalhar.

E Zé trabalhou como nunca antes em sua vida de homem que gostava de trabalhar. Raramente o porco era entregue em sua casa. Procurando preços melhores, Magrelo comprava porcos distantes e sem entrega. Ia o Zé buscar porco nas costas.

Também não pôde mais matar porco no quintal. Os bichos guinchavam muito alto na hora final, de madrugada, e os vizinhos ameaçaram denunciar. Agora Zé carregava porco nas costas até uma clareira afastada, matava o porco, e depois trazia de volta em sacos que pesavam muitas arrobas. Às vezes já era noite quando terminava de cortar a carne que seria entregue no dia seguinte.

E a entrega também era ele que fazia. Magrelo era franzino, não aguentava peso e além disso estava sempre envolvido em negociações, compras e vendas. Mas Zé do porco não reclamava. Não faltava trabalho, então tudo estava bom.

Magrelo comprou umas roupas porque precisava tratar com as pessoas, os comerciantes, os fazendeiros, e não podia se apresentar de qualquer jeito. Deu dinheiro pra Nalva também comprar porque “sabe como é mulher, né?”. Zé disse que pra ele não precisava:

- Só uso roupa de trabalho, suja de sangue, qualquer pano velho serve. Gasta dinheiro com isso não.

Zé do Porco pensou que estava tudo bem. Magrelo não prestava contas porque Zé nunca gostou, não entendia, cansava e dizia pra fazer o que precisasse. Por isso ficou surpreso com a conversa de Magrelo.

 - As coisas tão ruins, Zé. Dinheiro só dá pra pagar, sobra nada. O porco em pé tá muito caro e, na hora de vender, não querem pagar muito. Os frigoríficos vendem mais barato e com documentos, certificados.


(2ª e última parte em 24 de julho)

Comentários

Carla Dias disse…
Ah, mas que esperar é duro... :(
O que será que será desse trio?
Zoraya Cesar disse…
ai ai ai, Albir, vem tragédia por aí! Fora a maldade de nos fazer esperar!

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