AOS GRITOS >> Carla Dias >>

Comecei esta crônica escrevendo sobre como me sinto em relação ao mundo. Então, perguntei-me a quem isso interessaria? Problema meu se acho que a maioria de nós está possuída pela ideia de que quem grita mais alto é quem ganha. E que, depois de me lembrar disso, só consigo questionar: ganha o quê?

Essa pergunta vem me assombrando.

Então, tentei escrever um conto romântico, para ver se lançava boas vibrações para os apaixonados e o na fila do apaixonamento. Mas daí que a história embarcou no suspense, embrenhou-se na ginástica intelectual necessária para se comunicar com intelectuais que não se conformam com a mania de alguns (incluo-me nessa) de perguntar o motivo disso e daquilo, como se fossem crianças aprendendo significados.

Por quê?
Por quê?
Por quê?

Eles não gostam que interrompam seu momento de escutar a si falar sobre a vida do outro a partir do próprio ponto de vista, independente se o outro, que audácia, seja outro e pense diferente.

Tentei, então, um texto mais amistoso e que, ao mesmo tempo, oferecesse algo positivo. Daí que me empolguei escrevendo sobre aquele filme que eu adorei. Cinco minutos resenhando a respeito, dei-me conta de que aquele filme é danado de bom, mas também me faz lembrar de que a maioria de nós é péssimo ouvinte.

Moro em um prédio, em cima de um bar. Às vezes, fica impossível não escutar a conversa dos clientes de lá. Depois de determinada hora – e muitas doses de bebida preferida –, eles começam a esgoelar. É uma briga para um falar mais alto que o outro. As conversas que já escutei vão das mais engraçadas às mais cabeludas. Nunca olho pela janela para ver que cara tem a história. Mas a verdade é que, quando os envolvidos na conversa gritam uns com os outros, buscando aquele prêmio que ainda não sei qual é, quem realmente escuta é quem tem nada a ver com a história, ou seja, para quem o entendimento se torna apenas uma torcida, porque é melhor estar em paz do que em uma luta sem fim pelo tal prêmio misterioso.

Eu comecei esta crônica tentando contar uma história, mas hoje não vai dar. Minha cabeça está barulhenta e meu coração apertado. É gente gritando na rua, no supermercado, na escola, dentro de casa. Gritando porque está insatisfeito, sentindo-se pressionado, lesado, porque deseja mais do que já tem, porque acredita que merece mais do que o outro tem. É gente gritando por questões legítimas e há quem grite por medo de ter de lidar com a diferença. Há quem grite porque o grito, quando muito bem desferido, é ótima fonte de intimidação. A ironia é que ninguém escuta o outro ou a si mesmo.

Como disse o escritor: muito barulho por nada.

Penso como seria se as pessoas parassem de gritar umas com as outras. Não me refiro a pararmos de lutar pelo o que acreditamos e pelo justo, mas falarmos e escutarmos; contestarmos sem ofender, verbalizarmos sem medo de sermos interpretados às avessas. Atuarmos como ouvintes e enunciadores. Assim, provavelmente conseguiríamos algo que anda em falta. Compreenderíamos que, diferente do que pensamos, por nos tratarmos somente aos berros, há muito no qual concordamos. Há muito que poderíamos melhorar apenas parando de tentar impor nossas versões dos fatos e, juntos, procurarmos resoluções.

Não é tristemente irônico? Quando podemos dizer o que nos fere, somos calados pela necessidade de gritar mais alto, porque quem grita mais alto cala aos outros. Infelizmente, quem grita mais alto, provavelmente vai acabar em uma bela sala vazia.

carladias.com

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