ALCACHOFRA >> Sergio Geia

 


À mesa, uma alcachofra tão bem-preparada pela mãe. 
 
Tal qual uns piscianos enjoados (eu disse alguns), olhei torto. Do belo e formoso botão, eu queria distância. 
 
Assistia à turma entusiasmada com o sabor daquelas pétalas. Com delicadeza, uma a uma, levavam-nas à boca. Com habilidade, puxavam com os dentes a carne que ficava na ponta. O próprio saboreio era um ritual. Sem pressa, intercalavam à mordedura doses de cachaça e goles de cerveja, para, ao fim, encontrar o tão esperado coração, o coração da alcachofra. 
 
Muitos anos depois, isso quer dizer, semana passada, eu estava na Donna Pinha, disposto a saborear uma refeição leve. Detalhe: já tinha notado. A idade chega e purga dos piscianos enjoados os nojinhos, idiossincrasias e manias (pena que esse purgatório, não o outro, demore tanto). 
 
Então não resisti e pedi à mocinha que me trouxesse um risoto de arroz negro com cogumelos na alcachofra. 
 
O prato era uma obra de arte. A beleza do combinado das cores era sem medida. O sabor, poderoso e marcante, também era suave. Saborear a iguaria, o chupar das pétalas intercalando com garfadas de risoto, exigiu calma, boa conversa, música de piano, toques, carinhos, sorrisos, beijos, tudo em busca da perfeição do momento. 
 
Voltamos a pé, sob o sol escaldante do céu de Santo Antônio do Pinhal, naquela tarde calma de domingo. Ainda haveria tempo para um expresso com brigadeiro e éclair na Livraria Mantiqueira, e mais toques, carinhos, sorrisos e beijos. 
 
 
  
Ilustração 1: Pixabay 
 
Ilustração 2: Arquivo pessoal 
 
 
 

Comentários

Anônimo disse…
Que coisa! Antes de ler, acertei o restaurante. Após ler, a vontade de subir a serra aumentou…
Pollyana Gama disse…
O anônimo acima sou eu! Rsrs
sergio geia disse…
Oi Pollyana. Leva o Davi lá.
Sabiá disse…
Que crônica gostosa de ler! Ela mostra como certos sabores que rejeitamos quando jovens podem, com o tempo, se tornar grandes prazeres. A descrição do jantar, cheia de carinho, sensações e bons momentos, nos lembra que comer bem não é só sobre o alimento, mas sobre a companhia e a atenção aos detalhes. É uma celebração do paladar e da vida.
Albir disse…
A idade não está me fazendo purgar idiossincrasias, acho até que está acrescentando algumas.
Anônimo disse…
O risoto eu desconheço, mas o tom da crônica me levou de volta a uma viagem que fiz com a minha companheira para Santo Antônio do Pinhal. Reacendeu uma boa lembrança aqui.

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