CEDO >> Carla Dias


Havia dias em que precisava sair de casa, mas não para ver o mundo. 

Acordava cedo, às 5h11min. Gostava da ideia de se atrasar, então sempre incluía os minutos para garantir o “depois da hora certa”. Era uma extravagância, na verdade - ao menos assim diziam os seus conhecidos. E porque podia definir a hora de voltar do sono, o que era impossível quando batia cartão. 

Aposentou as saídas ao se aposentar do trabalho. Se pudesse, nunca sairia de casa. Dela gostava de tudo: da idade, das paredes, do quintal amplo de colher admiração das visitas controladas, porque nunca foi dado a gostar de todos que encaravam a sua porta.

À noite, andava pelos cômodos sem acender as luzes, sem medo, entre os móveis, os pés enfiados em chinelos tocando o chão; subindo escadas, desdobrando cobertores, deitando-se na cama para o momento de se entregar ao adormecer - como se ele o tocasse com sua pele macia. 

Acorda cedo, às 5h11min. Tem lista de afazeres: tentar se levantar sozinho da cama, arriscar uma caminhada até o banheiro, insistir em fazer sair de sua boca uma palavra: “oi”. Atender aos chamados, com um curto movimento da cabeça, dos que pronunciam seu nome para conferir se ele ainda está presente.

Há dias em que não. Nega-se a abrir os olhos e, mesmo diante da insistência das pessoas, fica quieto, voltado para a parede, a cabeça quase toda debaixo do cobertor e a mente dedicada aos afazeres da casa: café fresco com pão de queijo, organizar as ferramentas; dar pintura nova às paredes antigas, comprar estabilizador para a TV que persevera em existir. 

Há dias em que é assim: ele insiste em existir, feito e TV. 

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