QUEM COMEMORA? - Albir José Inácio da Silva
Justiça divina, lei do retorno, castigo ou revanche - o
cidadão comum pode chamar do que quiser. Pode até comemorar.
Consegue a hipocrisia impedir que a vítima comemore a punição
do algoz?
Comemoram aqueles que assistiram ao deboche com a morte de
seus pais, mães, filhos e avós por afogamento seco, enquanto aguardavam o oxigênio
que não veio. E aqueles que finalmente viram a justiça para os entes queridos
matados pela falta de vacina e intoxicados com vermífugos e antimaláricos.
As “fraquejadas” comemoram não mais ouvir que deviam ganhar
menos porque engravidam e que as feias não merecem ser estupradas. As
adolescentes celebram não mais ter de aturar um velho babão dizendo que “pintou
um clima!”
Os gays festejam saber que não mais precisam ser espancados
na infância para não “virarem” pervertidos.
Os negros louvam o fato de não mais serem pesados em arrobas
para avaliar sua capacidade reprodutiva, nem verem mais a Fundação Palmares entregue
à sanha destruidora de um capitão-do-mato, nem assistirem no Congresso outros gestos
supremacistas de white pride a pretexto de ajeitar a lapela.
Os ladrões de galinha festejam não mais ouvir que “precisamos
entupir as cadeias de bandidos. Tá ruim, é só não fazer besteira, a cadeia é a
antessala do inferno, mas é uma questão de opção!” Ou ainda “a Papuda lhe
espera! Hahaha, boa estadia lá, valeu?” Os presidiários não precisam mais
escutar que cadeia é lugar de pagar os pecados, principalmente agora que terão
companhia tão ilustre.
Exultam aqueles que ouviram em voto no Congresso Nacional as
homenagens ao torturador e assassino Brilhante Ustra e a seus comparsas que
ficaram impunes com a anistia de 1979.
Glorificam os fiéis de boa vontade quando compreendem que
foram ludibriados por vendilhões do templo e arrastados para o cárcere pelos
crimes dos seus manipuladores.
Mas essas são
comemorações pessoais ou de grupos. Como nação, o que se comemora hoje, após
quinze golpes tentados ou concretizados desde a Proclamação da República, é a inédita
punição aos golpistas. Das outras vezes eles foram anistiados e iniciaram quase
imediatamente a preparação do próximo.
Então comemoremos todos haver o país escapado de mais uma
temporada de ditadura com suas consequentes censura, tortura e morte.
Que novos golpistas pensem duas vezes antes de atacar a República
– coisa de todos - para beneficiar grupos ou castas!
Que a jurisprudência se consolide no sentido de tratar com
rigor aqueles que vêm para destruir a nação!
Que a venda de milagres e outras falcatruas isentas de
tributação possam levar os charlatães a responder por seus crimes, pelo menos
com suas mansões, jatinhos e carros de luxo!
Que a democracia nunca mais seja tolerante com os
intolerantes nem passe a mão na cabeça dos traidores!
Podemos comemorar, mas sem descuidar porque, nas palavras de
Brecht, “a cadela do fascismo está sempre no cio”.
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