É TEMPO DE ACERTAR AS ARESTAS << SORAYA JORDÃO
Terra, dia desses, você, por algum motivo particular que desconheço, acelerou sua
rotação e encurtou a duração de uma quarta-feira. Embora essa mudança de planos não
tenha sido combinada comigo, aceitei sem reclamar. Mas depois, já ciente do feito,
fiquei matutando…será que não configura um ultimato?
Temo que agora o esquema
fique assim: deu na telha, toco o terror!
Sei que não deve ser fácil lidar com tantas atitudes tóxicas e poluentes, com a
imaturidade dos homens, sempre despreparados para as responsabilidades do amor e da
convivência pacífica. Mas, juro, de minha parte, defendo a urgência apocalíptica de um
espaço de parceria e diálogo entre nós, embora alguns exemplares megalomaníacos da
minha espécie, movidos por interesses escusos, insistam nessa queda de braço. Tontos,
se julgam inabaláveis, intocáveis e eternos. Esses, por sorte, não são muitos, mas,
infelizmente, são poderosos. Se atribuem a posse de toda verdade e, na maioria das
vezes, têm o martelo da decisão nas mãos. Nós, os demais, continuamos acreditando na
conscientização como caminho para uma mudança efetiva e duradoura.
Confesso que a
luta é hercúlea.
Sei que meu desabafo não resolve a situação, mas, se possível, considere meu apelo e
abrande sua revolta. Suas explosões coléricas têm me assustado bastante. Ainda que os
tolos não percebam seus sinais de cansaço, vejo o quanto sua paciência tem se esgotado.
Afinal são muitos os filhos ingratos. Contudo, se me permite um conselho: guardar suas
mágoas em silêncio, de certo, não lhe fará bem. Todavia, esses tremores raivosos que
lhe acometem quando você bate forte seus pés nas placas do chão, as cuspidelas
ferventes de angústia que você lança ao alto e o desaguar de sua ira em ondas gigantes
podem colocar tudo a perder. Acalma a fera, Terra! Nos dê mais uma chance, um tempo
para tentar acertar as arestas.
Torço para os idiotas não demorarem a perceber que, quando você gira sua saia na roda
do vento, atirando ao longe tudo o que vê, ou quando provoca tenebrosas enchentes
feitas de lamento, não se trata de frescura de mulher louca, como os homens adoram
afirmar, mas de um grito dilacerante saído das profundezas da garganta de uma mulher
exaurida de tanto desrespeito e ingratidão.
Comentários