SUSSURROS >> ALLYNE FIORENTINO

 


Tenho teorias absurdas sobre ecos. Eles sussurram em meus ouvidos, reclamando que já haviam sido ditos e só estão retornando para lembrar que somos surdos, embora toda a nossa vida seja movida a hálitos.  Há um milhão de vozes suspirando ao nosso redor, contando nossa história, como menestréis. Desde ordinárias coisas até eventos grandiosos e traumáticos. Você não ouve, mas se prestar atenção direitinho... 

Há muitos anos eu ouvi sobre o ato de ausentar-se pela primeira vez. Naquele dia, ela disse, e eu lembro de prestar muita atenção: ser adulto é saber lidar com a distância. Não havia motivo nenhum para que isso me consternasse naquela época  eu vivia com a minha família e meu desejo ainda se concentrava em furar a membrana do útero que, aos nos tornarmos adultos, vira prisão.   

Mas aquilo me tocou: ela, vinda de outra cidade para nos dar aulas, tinha, claro, abdicado do convívio com a sua família para seguir sua carreira.  E com a frieza típica das mulheres fortes sem emoção nos olhos, mas com pausas um pouco mais alongadas  ela falava sobre a avó e o tempo de “não convívio”. Nós abdicamos de um tempo para construir outros tempos. Ser adulto é isso, tomar as rédeas do tempo que te resta.   

A sala estava cheia. Ela falava tudo aquilo para mim, sem saber. Eu escutava atenta, também sem saber que aquilo era para mim. Eram os sussurros do tempo dela soprando o tempo que eu deveria deixar. Naquela época a voz era vaticínio. Hoje, narradora. Vejo meus pés caminhando e aqueles ecos formando a trilha sonora, repetindo, eu já estava lá”. Não acredito que nosso destino esteja selado, mas que ele é produzido com muita antecedência, mas nossa vida é sopro tão curto que muitos fecharão seus olhos sem se dar conta disso.  

Ausentar-se ou morrer, refletiria Sóror Juana... O que dói mais? Qual dessas é mais sublime? Longe do que é nosso, o tempo dá sinais mais fortes: a criança que cresce mais rápido, os cabelos que se agrisalham sem você ver, as rugas que desfiguram a imagem da mãe que você guardou. No seu rosto talvez notem a solidão, mas esta você guarda às setes chaves para poupar os outros de dores que eles não devem sentir.  Mas e se você não se ausentasse? E se permanecesse ali? E se fechasse a janela para não soprarem sua vida? Certamente ventos e vozes cessariam no seu deserto e ao se despedirem diriam que os hálitos do passado não podem ser engarrafados, cativos, a única maneira de mantê-los vivos é criando memória... ausentando-se.  

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Imagem: Freepik.


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