WALLACE >> Sergio Geia

 


Depois da chuva que vestiu o sábado com uma capa cinza de melancolia, o domingo amanheceu com sol. Sem titubeios por não agradar, é como se dissesse aos amantes primaveris: hoje, não. Hoje faço verão! 
 
Wallace então me aparece à frente. Quando vejo, esqueço-me da beleza da manhã. Será Wallace um jovem que de repente encantou alguns olhos sedentos de amor? Ou quem sabe Wallace já roubou para si um lugar no coração desses mesmos olhos? 
 
De fato, isso era comum. 
 
Antigamente, a paixão era desenhada na areia, ou em vidros embaçados ou sujos, a giz no asfalto ou na lousa do colégio. Às vezes, no recanto privado da casa, no espelhinho depois de banho enfumaçado, para depois ser apagado a fim de que ninguém em casa soubesse. 
 
Às vezes a paixão era anunciada aos quatro ventos: pichações a denunciavam. O muro branco recém-pintado à cal recebia o desenho do amor: Priscila, eu te amo!. Normalmente um apaixonado anônimo que se escondia na pichação, com medo de se revelar à amada; medo de recusa. Ou talvez seja eu um obtuso escritor, talvez Priscila já o soubesse; o recado, uma prova de amor. 
 
Não há dúvida. 
 
No desenho pintado a dedo no vidro do carro, uma linha tênue em forma de coração abraça delicadamente Wallace. 
 
É a paixão outra vez. 
 
 
P.S.: 1. A crônica de hoje integra o projeto Crônica de um ontem, e foi publicada originalmente no coletivo Crônica do Dia em 26/10/2019; 2. Ilustração: arquivo pessoal.

Comentários

Soraya Jordão disse…
Gostei muito da sua crõnica. Lembrei de alguns amores tenros do passado.
Darci Siqueira disse…
Fez-me lembrar de uma dupla interpretação escrita no vidro traseiro de uma Combi, que dizia: Você vai ser minha! Boa essa crônica!Grande abraço!
Jander Minesso disse…
Ou seria ainda Wallace um narcisista, declarando a amor a si no vidro do próprio carro?
Hipóteses à parte, que viagem gostosa de volta aos primeiros amores! Essa crônica foi um abraço. Do mozão, inclusive.
sergio geia disse…
Que legal, Soraya. Como é bom visitar nosso baú de amores, eu adoro.

Realmente, Darci, dupla interpretação.

Acho que não, Jander. Ele era a paixão de alguém.



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