O PAVÃO AZUL >> Sergio Geia

 


Domingo de manhã. Cris, minha cunhada, expunha suas peças de artesanato na praça viva. Após anos sem nos encontrar por conta da pandemia, a conversa rolava solta, era suave e fazia bem. De repente, avistei sobre a bancada de cimento onde ela expunha, o delicado pavão azul, símbolo do artesanato de Taubaté, e símbolo do artesanato paulista, ratificado por um concurso da SUTACO, em 1979. 

E foi assim, pela segunda vez, que o pavão azul me chamou. 

Explico. 

Era um evento que acontecia na Avenida do Povo. A Academia Taubateana de Letras expunha a obra dos acadêmicos, eu trabalhei para o estande da Academia. Ao concluir o meu horário e ser rendido por outro acadêmico, fui dar uma olhada nas exposições da feira, na praça de alimentação, nos food trucks. Na barraquinha das figureiras, avistei dezenas de pavões, e não tive dúvidas: comprei dois. 

A arte é delicada e única. O tom de azul utilizado é especial, pintado com pó xadrez azul ultramar. Utilizando-se de técnicas criadas pela figureira Maria Cândida, tornou-se marca registrada da cultura taubateana, com reconhecimento internacional. 

Depois de comprar meus mimos, fui ao bar beber, ao lado de onde estava sendo realizada a Feira. Era um sábado quente, noite ideal para esse tipo de deleite. Tudo funcionava esplendidamente, a cerveja trincava de gelada, até a cachaça tinha lá o seu frio — para quem não sabe, assim como o Zé Mauro, gosto de cachaça gelada, a minha fica na geladeira —, a costela desfiada acompanhada de mandioca era arte pura, a conversa com os amigos fluía. Um tipo de noite que acontece vezenquando e que quando acontece a chamamos depois de “noite perfeita”. Ou quase, pelo menos a minha. 

No dia seguinte, abraçado à ressaca, me vieram à lembrança os meus pavões, os meus mimos comprados na barraquinha das figureiras. Cadê os meus pavões? Na noite perfeita do bar, meus pavões ficaram esquecidos na mesa, abandonados pelo dono distraído e embriagado. Nem adiantou um telefonema ao bar. Já era tarde; não viram, ninguém viu. 

Então, depois de colocar o papo em dia com Cris, depois de ser fisgado pela imagem dos pavões em exposição, é óbvio que repeti a compra. E como era um domingo quente, é óbvio que também fui beber, um domingo desses grita uma visitinha ao bar, nem que seja para um simples tira-gosto. 

Mas antes passei em casa e acomodei meus pavões na estante da sala, porque seguro morreu de velho. 


P.S.: se ainda duvida, a ilustração desta crônica é prova robusta (Foto do arquivo pessoal).

Comentários

Anônimo disse…
Crônica boa de ler seu Sérgio.
Zoraya Cesar disse…
Mais uma delícia dominical! Me senti agora como 'nos velhos tempos', em que abria o jornal impresso e corria a ler os cronistas, era a primeira coisa q fazia. Que lindos pavões! Meu tom preferido de azul. E que crônica mais lindinha hein? E ainda com lição de moral: se beber, guarde antes seus pavões azuis...
Albir disse…
A gente lê sua crônica e fica pensando vai acontecer comigo. Ou então já aconteceu. E fica feliz com o retorno dos pavões, ainda que outros.
sergio geia disse…
Obrigado, queridos. Seus comentários são carícias para o coração.

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