SALA DE AULA >> Albir José Inácio da Silva
Ao contrário do que tenho ouvido dos alunos de
hoje, a sala de aula sempre representou para mim um encantamento: a presença de
pessoas tão diferentes, atentas umas, distraídas outras, algumas sorridentes,
outras sérias, as que falam alto, as que nem falam; as relações que se
desenvolvem timidamente a princípio, por olhares, por sorrisos, por gestos de
cortesia.
Todos concentrados no que acontece a frente, nas
palavras e gestos do professor, mas também prestando atenção nos outros. Muitos
vão se transformar em amigos, outros nem tanto, e outros ainda serão
indiferentes. Mas todos têm potencial. A sala de aula é uma possibilidade de
convivência que de outra forma não se teria. Há uma necessidade de se estar
ali, mas há também a inafastável emoção do encontro.
Apesar do desenvolvimento nas comunicações, as possibilidades de encontro e de
convivência diminuem para o humano moderno. Conversa-se com o colega do lado
pelo celular ou computador. As pessoas trabalham juntas, mas passam semanas sem
se ver ou se falar pessoalmente. Nada contra os avanços da comunicação. Também
já não consigo viver sem eles. Como diz Gilberto Gil sobre as viagens à lua,
“confesso que estou contente também”. A questão é quando pessoas de todas as
idades dizem que se pudessem não pisariam mais na escola. Algumas até
estudiosas e bem informadas reclamam da exigência de presença nas turmas porque
prefeririam estudar sozinhas e comparecer apenas para as provas.
Outras até gostam da Universidade, quer dizer,
gostam do pátio, da cantina, do bar em frente, mas não da sala de aula. Essas
pessoas se esquecem do que esse espaço já lhes proporcionou. Acho difícil que
não tenham amigos ou pelo menos boas lembranças da época em que eram obrigadas
a comparecer às aulas. Aquele mal encarado que depois virou melhor amigo. O
sorridente do primeiro dia que ficou esnobe no decorrer do ano. Ou o riquinho
que passou a frequentar o barraco do colega na favela para brincar. Uma caixa
de surpresas, a sala de aula.
Claro que as pessoas vão juntas ao bar ou às
festas, mas aí encontram os seus iguais. Fazem uma seleção de companhia que,
embora muito agradável, não é tão enriquecedora. Na sala de aula não podemos
escolher os colegas, temos de conviver com todos. Um pouco como acontece com as
disciplinas. Imagine se pudéssemos evitar esta ou aquela matéria de que não
gostamos!
Quantos de nós não teriam descartado matemática, ou
história, ou até o estudo do próprio idioma, com sérios prejuízos para a
formação? A sala de aula tem essa riqueza, não nos permite escolher. Essa
imposição muitas vezes nos reserva os encontros mais importantes de nossas
vidas. Ali aprendemos muito mais coisas do que supomos e ganhamos muito mais do
que conhecimento e diplomas.
Não acredito em bons velhos tempos. Cada época tem sua beleza e suas
dificuldades, e a humanidade marcha sempre por bem ou por mal. Apesar das
dificuldades da escola e da baixa qualidade do ensino público, existe
atualmente uma oferta maior de vagas e possibilidades mais concretas de se
estudar.
Mas temo hoje pelo futuro da classe porque, se os
alunos ainda estão presentes, seus corações, parece, já pararam de frequentá-la.
Não o meu. Ainda hoje, quando entro numa sala para
fazer um curso e vejo pessoas trocando tímidos olhares e sorrisos, não consigo
deixar de sentir alguma emoção. É nostalgia de um tempo que não volta, mas que
deixou marcas. Boas marcas.
Obs: Este texto integra o projeto CRÔNICA DE UM
ONTEM e foi publicado originalmente em 17/03/2008.
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