DEIXA EU BAGUNÇAR VOCÊ >> Sandra Modesto


 










A solidão me desloca das palavras. Desloca Sara das palavras.

Mas eu só preciso delas. Do abraço, do riso, da minha busca.

O ruído esculpido nesse meu atravessar de não conquistas.

É noite. O corpo flertando com o espelho. No espaço entre gavetas abandonadas, algumas lembranças, espartilho, rendas.

Sem tesão pelos saltos dos sapatos. Enfio todos no vagão do armário.

Só, percebo a mulher que um dia eu fui. Acaricio cada vírgula corrida, rímel seco, batom vencido, vaidade do avesso.

Como o confronto com a libido dos sons  resistem?

Sara, não sei se você sabe. Não, não, não vou contar.

Abro a caixa de fotografias antigas. Minha avó, meu avô, meus tios. Descobri há pouco tempo histórias estranhas. Pensando bem...

Jogo tudo dentro do peito. É no memorial dos sentimentos, que a gente recria que a gente esquenta água, passa um café, respira e mascara o dia.

Um dia eu conto pra Sara. Deixa eu me bagunçar primeiro.

(trecho de um conto do meu próximo livro.

Imagem: Acervo pessoal da autora

Comentários

Laercio disse…
Muito especial a crônica. A imagem, então, muito bem escolhida e linda. Se encaixa perfeitamente ao texto. De fato.... me bagunçou. Parabéns!!
Zoraya Cesar disse…
É no memorial dos sentimentos, que a gente recria que a gente esquenta água, passa um café, respira e mascara o dia.

Amei demais essa frase. Gostei dessa bagunça. E 'deixa eu me bagunçar primeiro" dá uma série enorme de histórias.
Albir disse…
É mágica a tradução que você faz dos momentos. A gente sente junto.
Paulo Barguil disse…
Olhar para a bagunça é o primeiro para se organizar... ;-)

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