DESAGRADABILÍSSIMO >> Sergio Geia





O título não é por acaso. Se quiser abandonar o barco, a hora é agora.
Mas prometo que serei delicado, o mais delicado possível. Pretendo terminar este breve relato com máxima elegância. São coisas da vida. Não pense que Scarlett Johansson ou Marina Rui Barbosa estão livres disso.
Nunca pensei que uma coisa bobinha dessas pudesse ser tão chata e constrangedora. Depois que você atinge certa maturidade, que você reconhece que tem mais passado que futuro (Melancolia, pessimismo? Nada! Faça as contas), tudo parece estar sob controle, e, o que foge, ou parece fugir, a experiência propicia mecanismos de manejo para fazer com que a coisa possa trazer o mínimo de transtorno possível. São as habilidades sociais que qualquer quase-cinquentão adquire com as voltas que a vida dá.
O happy hour estava marcado pro barzinho de sempre. Havia tempo que não via os ex-colegas de trabalho, um reencontro com pessoas queridas. Conversas animadas, chope, comidinhas, um degustar alegre do saboroso passado, aventuras pitorescas, acontecimentos triviais e os inusitados, o presente de cada um, as novidades, tudo o que se encaixa na faixa de um fraternal reencontro de pessoas que conviveram durante anos, mas que, por essas voltas que a vida dá, as chamadas contingências, acabaram se separando.
O primeiro aviso aconteceu, eu nem liguei. Aliás, nem percebi, coloquei-o dentro daquelas desimportâncias ingênuas e passageiras, um pequeno desconforto momentâneo, nada, longe disso, que pudesse tirar o colorido daquele festejo. 
Não me lembro, honestamente, de episódio parecido. Aliás, até lembro de um, eu ainda mocetão, na casa dos 18, 20 anos, pobre de marré deci, que saía a pé com os amigos sábado à noite, até que um cinza-chumbo de céu carregado ameaçou desabar no meio do caminho, me fazendo dar meia-volta e correr como um gnu, o bicho mais rápido do planeta, pra casa.
Os demais avisos se sucederam e o espertão aqui, enfim, se deu conta da tragédia que estava prestes a acontecer. O pagamento da conta, a volta imediata pra casa (diga-se, em outra cidade) não seria a melhor solução: uma desfeita com os amigos, sem dúvida, e total ausência de garantia de sucesso, diante da distância entre as duas cidades.
O jeito — o pensamento deslizou em solavancos, como numa rua esburacada, sobre um sujeito cinza de dor — seria encarar o que se tinha praquele momento, torcendo para que o espaço, cuja falha de memória não me permitia um diagnóstico preciso, fosse adequado, amplo, arejado e limpo.
A lei de Murphy deu sua parcela de contribuição.
Pequeno, sem ventilação ou entradas de ar, para só uma pessoa por vez (bar lotado), inadequado para o momento. Limpo, se há um consolo. Solução? Nenhuma. Também, diga-se, o tempo se esgotara.
Mas houve outras intempéries.
Essa eterna mania de economia de energia, credo! Sem movimento, no pequeno recinto, a luz se apagava. Precisei erguer as mãos (não, não era a música do Padre Marcelo) várias vezes; me imaginava no estádio comemorando um gol do Borja (Leu Borja? Não, é Borha), pois não bastava um simples erguer das mãos, a coisa tinha que ser violenta.
Que saudades do meu Neve de cada dia, mas sobre isso nem falo, digo apenas que era fino como uma seda, delicado.
Tentei reduzir o tempo útil do momento, parcelando-o em 3, 4 vezes, coisa que sempre faço com minhas contas, de forma a permitir o compartilhamento do espaço. Confesso que até isso pensei, considerando logo depois como algo inexequível.
Triste, amigo, e constrangedor.
Fiquei com enorme pena daquele que me sucedeu.
Coisas da vida.
Desagradabilíssimo.


 


 



Comentários

Zoraya Cesar disse…
HAHAHAHAAH, puxa, desculpe, Sergio, lamento seu dissabor e que seu programa foi privada abaixo. Mas tive de rir. Quem manda escrever tão bem? (mas confesso que meu lado negro teve participação nessa risada). Se serve de consolo, veja, podia ser pior: podia ser o primeiro encontro no motel (na sua casa nao, pois vc estaria em seu habitat, e o Neve estaria a seu dispor) com a mulher q vc desejava há meses. E ela iria viajar no dia seguinte. Podia nao ter dado tempo de chegar à salvação...
Amei seu lado tragicômico.
sergio geia disse…
Zoraya, não se desculpe, sua risada muito me alegra. Pois até eu, hoje, relendo, dei boas risadas. Hoje.
sergio geia disse…
Ah, Zoraya, só de pensar na sua hipótese já tive um calafrio. Me lembro de algo que vce escreveu a respeito.
Regina Amaral disse…
Kakaka. Hilário. Escrevendo aqui e rindo. ����
paulo pereira disse…
Sempre muito interessante. Quem não o conhece bem e o encontra com esta cara de sério, não pode acreditar.
sergio geia disse…
Pode rir, Regina, tamo junto rsrs. Caro Paulo Pereira, vez em quando é bom rir das próprias mazelas, aprendendo a não levar a vida muito a sério.

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