ONDE >> Carla Dias


Onde, quase sempre, especialmente diante de qualquer ansiedade, fica longe. É bom quando esticar o braço, abrir a porta, retirar-se nos leva ao onde importa. Não raro, lidamos com a distância feito provedores de devaneios, e assim, onde se torna além.

De onde em onde, ele muda de cara. Então, acabamos debaixo de uma variedade de circunstâncias indigestas, protegidos pela ideia de que seria lindo estar onde gostaríamos. 

Dureza é não saber onde este onde fica.

Segundos depois, diante da presteza do desapontamento, o onde nos escapa, e lá estamos, sem onde e sem quando e sem seta apontando para a geografia da fuga. 

Aliás, fuga é o onde sempre à disposição, basta o interessado se dispor a cortejá-la, o que é feito, quase sempre, como fosse possível coordenar os rompantes dela. Enganar-se, por gosto ou escolha, é terapia ocupacional para quem não sabe onde fica o onde estar.

Meu onde às vezes cabe em um livro, mas, não raro, se esparrama no olhar de outras pessoas. Ele se espreme entre ocorridos e a necessidade de voz, então, música. Chão frio recebendo pés descalços, durante verão desaforado, é onde a durar o tempo de alguns pares de pensamentos desapegados de urgência. Onde também é abraço.

Onde é ocupado por panelas, copos, pratos, roupas, silêncios, carros; sinalizado por código postal, senha de atendimento, número de telefone. Onde mora em gavetas de guardar memórias, lixeira para descarte de finitos, estandes portadores de badulaques.

Há dias em que o onde some com as nossas chaves.


carladias.com.br

Comentários

Jander Minesso disse…
Foi uma das coisas mais bonitas que eu já li. Ouso dizer que estava precisando ler esse texto. Obrigado.
Ana Raja disse…
Quanta poesia em suas palavras. Aauece o coração!
Nadia Coldebella disse…
Me identifiquei demais com essa busca pelo "onde". Tão perto e tão longe, tão achado e tão perdido. Se bem que é simples também: "onde" num livro, num abraço, no chão frio. É nessas coisas simples que a gente se acha, né?
Zoraya Cesar disse…
Gente, D. Carla Dias, Princesa das Palavras em um de seus melhores momentos. Qta poesia, qto lirismo, qta beleza!
Albir disse…
Frequentemente nos apressamos como se o quando adiantasse alguma coisa sem o onde. Pressa de chegar aonde ainda não se sabe.

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