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– Com licença. És porventura Maria?

– Eita, um anjo!

– Podes me chamar de Gabriel.

– A que devo a visita, Gabriel?

– Trago um recado de Deus para ti.

– Jura?

– Ele diz que és a eleita para dar à luz o filho Dele.

– Não sei se entendi direito.

– O Senhor descerá à terra para falar aos homens através de Seu filho.

– Meu filho?

– O Dele. Que não deixa de ser teu, também.

– Mas meu anjo, eu sou virgem.

– Não temas. Serás fecundada pelo Espírito Santo.

– Opa. Calma lá. É Gabriel, né?

– Exato.

– Gabriel, olha só: até hoje, nem o meu noivo encostou a mão em mim. Quando muito, a gente troca um selinho. Você acha mesmo que eu vou deixar esse tal de espírito santo dar uma de boi premiado só porque ele é amigo de deus?

– O Espírito Santo é Deus.

– Como assim? Ele é dois?

– Na verdade, três: Pai, Filho e Espírito Santo.

– Filho?

– O filho Dele. O teu. O vindouro.

– Agora, eu me perdi de vez. Meu filho é deus e vai chamar Vindouro?

– Não. Deves chamá-lo de Jesus.

– Hmmm, não sei se eu gosto do nome.

– É a vontade de Deus.

– E o machão heteronormativo não tá nem aí para a vontade da mãe, né? Vocês são todos iguais, mesmo.

– Perdoai-me, mas não compreendi o “vocês”.

– Homem. Homem é tudo igual.

– Maria, eu não sou homem.

– É mulher?

– Também não.

– Olha, não vou discutir isso agora. Mas é o seguinte, Biel: essa conversa toda tá bem esquisita. Então, pode dizer para deus que eu agradeço a oferta, mas é não.

– Maria, tens que me ajudar.

– Sinto muito. Já decidi.

– Mulher, eu não posso voltar com uma negativa. Deus é temperamental. Dia desses, Ele discutiu com Lúcifer por uma besteira e acabou mandando o pobre diabo para o inferno…

– Tá vendo? Que tipo de educação um homem desses vai dar para o meu filho?

– É pelo bem maior, mulher.

– Não sei, não. Que vantagem Maria leva nessa história?

– Deus me disse que te oferece a assunção.

– Quem?

– Caso aceites, tu irás direto para o Céu, sem toda aquela burocracia de morreres, esperares o Juízo Final, ressuscitares e tudo mais.

– Grandes coisa.

– Ele também te promete um papel de destaque na Bíblia. Que é um livro sobre a história Dele.

 – O bicho é vaidoso, hein? Quem vai escrever esse livro?

– Estamos em contato com uma dúzia de profissionais, mas creio que fecharemos com quatro deles no máximo. E pelo que ouvi dizer, tu és a grande personagem feminina da história.

– Machista do jeito que ele é, já acho milagre ter uma personagem feminina.

– Se quiseres, Ele ainda pode te tornar padroeira do Brasil.

– Brasil?

– É um país tropical, abençoado por Ele e bonito por natureza.

– Nunca ouvi falar.

– Que tal assim: te damos a assunção, o principal papel feminino na Bíblia, o Brasil e um feriado no dia doze de outubro. Aceitas?

– Pode ser. Mas tem mais uma coisa.

– O que quiseres.

– Meu filho. O vindouro.

– Que tem ele?

– Quero loiro de olho azul.

Imagem: Pixabay

Comentários

sergio geia disse…
Estou em Ubatuba, Jander, e acabei de ler a crônica aqui pra minha filha. Adoramos. Mandou bem demais. Que sacada legal.
Letícia Rosa disse…
Adoreeei .. mundo machista kkk��
May Lima disse…
Boa demais Jandi! Kkkkk adorei <3
Ana Raja disse…
Adorei a Maria! Esperta, antenada com a modernidade, conhecedora das suas vontades. Parabéns, Jander!
Zoraya Cesar disse…
Hahaha, Jander, sou devota de Maria e pode apostar que a Grande Deusa, a Grande Mãe riu muito com essa história. Negócio é que Gabriel nao contou a história toda, né? kkkkk

E eu reli o lance do Lúcifer e, de novo, me acabei de rir. Valeu demais! Agora, aliás, vou deixar pra te ler aos domingos, pra começar a semana animada. Manda mais!
Anônimo disse…
As lendas e os mitos nascem, de verdade, pela repetição. Primeiro, repete-se exaustivamente na modalidade oral. Depois, escreve-se e reescreve-se em todas as línguas da Babel. Sua releitura saiu digna dessa tradição. André Ferrer aqui.
Nadia Coldebella disse…
As suas histórias me encantam e ao mesmo tempo impactam, nessa e na do lúcifer que vc escreveu outro dia. Lembrei de uma música do Raul Seixas: "Mas é que lá em cima.
lá na beira da piscina, olhando os simples mortais... Das alturas fazem escrituras e não me perguntam se é pouco ou demais..."
Você capta uma visão tão humana de uma coisa que a gente aprendeu como sobrenatural que realmente deixa a gente um pouco mais introspectivo. Não sei se a intenção era essa, mas comigo foi assim!
Gde abço!

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