MEMÓRIAS AUSENTES >> Sergio Geia

 


Havia um papel largado na estante da televisão. Eu pensava, preciso jogar fora, depois esquecia; e quando de novo eu passava por ele pensava, preciso jogar fora, e não fazia nada. O papel foi ficando, dias, semanas, até que me decidi. Antes de jogá-lo na lata do lixo, porém, fui ver de que se tratava. Era uma anotação que usei em uma de minhas falas num encontro da Academia Taubateana de Letras. No último parágrafo estava escrito: 
 
“Quando o escritor escreve ele reconstrói um mundo, amores, a sua casa; ele reconstrói o paraíso e esse paraíso é a infância”. 
 
Quem disse isso? Lygia Fagundes Telles. 
 
O mundo criado pelo escritor contém cenas, situações, diálogos, e até conflitos experimentados ou presenciados por ele em sua vida e guardados na memória. Não quero dizer que o universo que o escritor cria é a reprodução de uma vivência, uma situação real. O que digo é que um diálogo, por exemplo, que ficou guardado na memória, ou uma cena de ciúmes num bar, ou mesmo uma briga entre bêbados acabam sendo inseridos na história inventada, geralmente num contexto completamente diferente daquele experimentado na vida real. 
 
A primeira vez que notei algo estranho foi num almoço de domingo. A mãe iria fazer um prato que eu adorava: creme de milho. Era milho verde feito com creme de leite, molho de tomate, pimenta, alho e cebola; arroz e, claro, o bife. Naquele domingo o creme de milho virou um estrogonofe de milho verde; o bife virou um picadinho misturado ao creme. 
 
Depois vieram outras confusões e falhas de memória. Téo, um amigo, certa vez me telefonou dizendo que ela tentava abrir a porta do carro com a chave da porta da casa. Teve também uma cena quando ela não conseguiu conectar o carregador no celular e depois na tomada; não sabia mais como fazer. Usá-lo, então, nem pensar. Suas mensagens começaram a ficar raras. Telefonar, nunca mais. Cadê seu pai, Serginho? Estou ficando preocupada, ela me perguntou um dia; meu pai já não estava mais entre nós havia muitos anos. 
 
Durante esse tempo todo em que minha mãe passou a sofrer de uma doença chamada Demência Vascular, muito parecida com Alzheimer, comecei a escrever histórias, pequenas histórias. As situações que eu experimentava assistindo ao declínio físico e mental de minha mãe, seus esquecimentos, a gradativa perda de memória, a dificuldade de segurar um garfo ou fazer xixi no banheiro, me inspiravam a criar personagens e universos fictícios. Essas histórias viraram contos. Esses contos irão virar um livro. 
 
Escrevia, reescrevia, escrevia, reescrevia, inventava outras histórias mais leves, desvinculadas daquelas situações, talvez para me dar um respiro, como o amor, por exemplo, esse ingrediente universal que não pode faltar, outras nem tanto, com temas mais áridos, como a morte, a velhice e a perda de memória, até que um dia mostrei o material para a Carla Dias. Ela adorou. Depois de uma leitura inicial, de outras leituras e uma revisão literária, me sugeriu a publicação. Conversamos numa chamada de vídeo. Colocamos o Whisner Fraga na jogada. Discutimos e enfim, os contos irão se transformar num livro que já tem título, mas que não posso dizer, pelo menos por enquanto, e que será lançado pela Editora Sinete, em setembro. 
 
Portanto, preparem-se, vem aí mais um lançamento. Talvez lançamento de livro seja uma coisa chata, afinal, ninguém vai ler o livro na ocasião, vai ler depois, em casa, diferente de uma estreia de teatro, ou um show. Além disso é uma coisa formal, silenciosa, sem sal. Não, não, não. Isso está mudando. É só acompanhar os lançamentos na Patuscada, por exemplo, ou no Canto Madalena. E quero aproveitar a oportunidade para estar junto, para conversar com pessoas de que gosto ou, mesmo não conhecendo, conversar com pessoas que me acompanham com as crônicas. Quero música, bebidinhas, quero oba-oba. 
 
Penso num sábado, fim de tarde, emendando com a noite, de preferência numa daquelas lindas tardes/noites primaveris (São Pedro, vê se ajuda). Onde? Ainda não sei. Num café, ou num bar. Mas qual? Aqui em Taubaté, claro. Aceito sugestões. Preciso de sugestões. Pra ontem. Podem me mandar nos comentários, no facebook, no messenger, no direct, no zap. Mandem. Estou esperando. Beijo no coração. 
 
 
Ilustração: Pixabay

Comentários

Jander disse…
Sérgio, eu gosto demais da leveza e da fluidez do seu texto. Aliás, flui tão bem que parece que a gente tá te ouvindo. Aguardando esse lançamento aí!
Nadia Coldebella disse…
Esse livro vai ser muito especial! Além das memórias que vc registra, é sua resistência ao esquecimento, a sua luta ante a perda gradual de uma pessoa muito amada!
Gostaria de estar lá, mas esse ano nem em sonho! Se bem que vc poderia fazer um lançamento virtual tbm! O q acha?
Manoel Nunes disse…
Faço minhas as palavra do Jander. Avisa quando lançar.
sergio geia disse…
Busco essa sensação de conversa miúda, como num boteco, Jander. Certamente o avisarei do lançamento e conto com vocês.

Será um livro especial, Nádia. De repente, um encontro virtual. Anotada a sugestão.

Avisarei, Manoel. Forte abraço, amigo.
Carla Dias disse…
Sergio, o seu livro é muito bonito. Estou feliz por saber que logo ele estará nesse mundo, pra gente pegar, folhear, fechar, pensar, abrir, mergulhar.
Zoraya Cesar disse…
Tenho a mais profunda certeza que seu livro é uma explosão de pequeninas grandes coisas, que vão nos emocionar e acender memórias e sorrisos e pensamentos sobre a vida. O prosador das pequeninas coisas não deixaria por menos. Quero desde já o meu.
Não conheço Taubaté, mas que tal um café? Com cafés (até um Irish coffee), chocolates, chás, bolinhos e flores. E conversa alegre e gentil, cheia de sutilizas e sorrisos cúmplices.
sergio geia disse…
Carla, você é parceiraça neste projeto. Obrigadíssimo.

Zoraya, querida, grato pelas palavras. Anotada a sugestão.

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