UM PEQUENO - TALVEZ LONGO - DESABAFO >> Clara Braga

Há um tempo, eu estava em um aniversário de alguém da família do meu marido. Estávamos em uma mesa grande, com vários casais e uma moça que estava sozinha.

Toda hora, alguém passava e perguntava com surpresa onde estava o filho e o marido dela. Quando ela dizia que o marido havia ficado em casa com o filho para que ela pudesse curtir o aniversário com mais tranquilidade, ninguém acreditava.

Logo, maternidade/paternidade tornou-se o assunto da mesa, embora só nós duas fossemos mães. Em um certo momento, um rapaz disse que jamais seria pai, pois era muito egoísta para ser pai (palavras dele). Ele complementou, disse que não tinha vontade de abrir mão das saídas para bar com amigos, não abriria mão do churrasco com a galera e não se imaginava ficando em casa com o filho para a esposa sair, como o marido da moça em questão havia feito.

Poucos comentaram e ninguém disse pensar como ele, mas tanto eu quanto a moça que estava curtindo sua noite de folga falamos que era importante ele assumir isso, principalmente para a esposa dele. Esse cara entendeu que ter filho não é responsabilidade só da mulher, que ele teria sim que abrir mão de muitas coisas e que não seria fácil. Ele entendeu que era injusto ser mais um que diz que mulheres são super heroínas que dão conta de tudo, e que essa imagem esconde o cansaço real dessas mulheres. Ele entendeu isso e decidiu que não queria.

Toda vez que alguém fala sobre a decisão de não ter filhos, um ar polêmico paira no ar. Ainda vivemos em uma sociedade que acha que amor materno ou paterno é instintivo e que só estamos completamente felizes quando nos tornamos pais.

Pois bem, eu hoje venho aqui dizer algo que também pode acabar sendo polêmico, mas não consigo mais me calar sobre o assunto: esse pensamento antiquado da nossa sociedade mata crianças.

Sim, estou me referindo ao caso do menino morto pelo padrasto. Não gosto de tratar de assuntos pesados e polêmicos nesse nível, mas nos últimos dias não paro de pensar sobre isso. Não consegui ler nenhuma notícia sobre o caso, apenas manchetes e comentários em perfis maternos de redes sociais, e ainda assim, sentia meu estômago embrulhar toda vez que uma foto do menino aparecia.

Claro que me revoltei, claro que fiquei com ódio desse padrasto e dessa mãe, fiquei com raiva até do pai. Mas uma reflexão não sai da minha cabeça, e eu preciso compartilhar meus pensamentos aqui, até para que eu possa parar de pensar tanto sobre um assunto tão pesado.

Nós vivemos em sociedade, portanto, deveríamos pensar coletivamente e ter a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro, pois logo ali na frente, pode ser que a gente precise que os outros nos ajudem também.

Pode parecer um pensamento desconexo, mas eu explico: de nada adianta você se comover com a morte de uma criança e criticar aquela mãe que não está brigando com seu filho por ele estar fazendo birra no meio do shopping. De nada adianta se comover com a morte de uma criança e torcer o nariz quando uma mãe entra no avião com o filho chorando no colo, senta próximo de você e, na sua visão, não faz nada de efetivo para fazer a criança parar de chorar. De nada adianta se comover com uma morte violenta e criticar mães que não agem de forma violenta em relação aos comportamentos de seus filhos.

Crianças fazem birra, crianças choram, crianças são barulhentas, crianças acordam várias vezes no meio da noite, crianças dão um trabalho do cão!! Mas não, nada disso tem relação com o fato delas serem ou não bem educadas. Crianças são naturalmente imaturas, ainda não sabem lidar com seus sentimentos, não sabem se expressar da melhor forma e reagem ao mundo da única forma que podem. O mau comportamento da criança tem mais relação com a sua incapacidade de entender que crianças não são mini adultos do que com o comportamento dela em si.

Nós somos os adultos da relação, sejamos responsáveis. Ninguém é obrigado a gostar de crianças, mas tenho certeza que você é capaz de entender que uma mãe cansada tem o mesmo direito de pegar um avião e viajar para relaxar do que você. Você vai aguentar o choro por algumas horas, aquela mãe vai lidar com choros por anos e anos, será que ela não merece estar naquele avião e tentar relaxar um pouquinho em uma outra cidade?

Não sei se consegui me fazer compreender, pois estou tão nervosa em relação à tudo isso, que fica até difícil externar as ideia de forma coerente. Mas para não me alongar demais, vou resumir: difícil mesmo é ser criança em um mundo de adultos cansados, pouco empáticos e mal resolvidos. Sejamos responsáveis,  normalizem os comportamentos das crianças, criança nenhuma merece morrer por causa de uma sociedade repleta de adultos que não são maduros o suficiente para compreender que crianças são sim neurologicamente imaturas e ter comportamentos infantis faz parte de ser criança. Não aguenta? Não seja pai, padrasto, cuidador ou qualquer coisa do tipo!

Comentários

Albir disse…
Uma antropóloga da Universidade da Califórnia diz que o amor materno é um mito, não é natural nem incondicional (Sarah Blaffer - reportagem da ISTO É)
Paulo Barguil disse…
Pertinente, Clara, a sua reflexão sobre as relações entre adultos e crianças, as quais possuem peculiares configurações em diversos espaços-tempos.

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