Rita e Samira >> Alfonsina Salomão
Um amontoado de construções verticais. O que se passa por trás de cada buraco? O que ilumina cada lâmpada acesa? O que esconde cada lâmpada apagada? O que queima o fogo de um incêndio?
Queima casas, queima corpos. Queima lares, queima almas. Queima sofás, mesas, vidros de perfume, folhas de caderno, tapetes e saboneteiras. Queima a mão da escritora, queima o sonho da menina. Queima os pecados. Consome os desejos. Incendeia as fantasias.
Um incêndio anônimo. Como começou? Não se sabe. O que queimou? Apenas se imagina. Quem ficou? Sobrevive. Quem se consumiu com o fogo foi bruxa na fogueira. Antes, hoje e depois, fogo nas feiticeiras.
Queimar o mal pela raiz. Purgar os pecados. Consumir a carne para aliviar o espírito. A mulher quer fogo. Precisa do fogo. É fogo. Ele, medíocre na sua posição de homem, passivo na postura de Adão, desde tempos imemoriais. Adão, cresça ou desapareça.
Dói ser consumida pelo fogo? Arde. Quando o corpo arde, a mente sossega. No interior das labaredas, prazer e sofrer são um só. Sofrimento, prazer, sofrimento, prazer, sofrimento, prazer e logo o gozo. É assim. Não é pra quem quer. É pra quem aguenta.
Rita, mulher do lar, é feliz? Talvez. Samira, mulher do fogo, não se faz essa pergunta. Rita tampouco. Quem faz a pergunta? Uma terceira. Essa sim, arde todos os dias, com ou sem fogo. Com fogo é melhor. Ela se coça. Que barulho faz coçar? Só ela sabe. Samira quis ser Rita. Rita sonha em ser Samira. E a terceira vai levando.
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