DE RISOS E DE LÁGRIMAS >> Albir José Inácio da Silva

 

Num tempo em que não se podia falar das besteiras que assolavam o país, Stanislaw Ponte Preta escreveu o FEBEAPÁ – o Festival de Besteiras que Assolam o País.

 

Falava de besteiras suaves, cotidianas, sua ironia não tocava em nervos expostos como tortura e assassinato, mas dava uma ideia do que acontecia nos subterrâneos. Mostrava a ponta do iceberg da loucura em que chafurdávamos.

 

Era assim que Stanislaw ridicularizava a “redentora” - como ele chamava o golpe de 64 - com amenidades tão amenas que mantinham o censor distante, embora desconfiado.  

 

E todos riam, por exemplo, do sargento que prendeu o prefeito por discordar da opinião de um soldado. O ridículo da situação mascarava a truculência do gesto.

 

O nosso ridículo hoje caberia em qualquer FEBEAPÁ, com a diferença de que não faz ninguém rir porque não advém do gênio criador de um sucessor de Stanislaw, mas das manchetes, pronunciamentos oficiais e realidade das ruas.

 

Eu não tenho livros do Stanislaw, nunca tive, naquela época eu só lia emprestado, mas algumas historinhas nunca me abandonaram. Outro exemplo era um restaurante que cerrava as portas de meio-dia às duas e colocava a placa: fechado para almoço. Ridículo, provocava risadas, mas nada comparado com um governo que rejeita vacinas numa pandemia.

 

E pior: no lugar de vacinas, compra, fabrica e distribui remédios que não curam, mas podem matar. Não dá pra rir disso, nem do especialista em logística que mandou cloroquina em vez de oxigênio ou errou o endereço.

 

Assim como o restaurante de Stanislaw, alguns sacerdotes que prometem até ressuscitação, durante a pandemia interromperam as curas, prescreveram cloroquina e foram pra Miami em busca de vacinas para seus braços ungidos. Outros abençoados mataram um marido com tiros e uma criança sob tortura.

 

Mas segue o nosso festival de besteiras, sem dar tréguas à sanidade, com os personagens mais exóticos que o país já produziu. Temos judeu supremacista, negro racista cuidando da cultura negra, astronauta que vende travesseiros e poções, ministra machista da mulher, juiz político partidário, parlamentar que prega fechamento do Congresso, médico receitando comprimidos que matam, ministro da educação que sugere espancamento de crianças e ministro das relações exteriores que comemora o Brasil como pária internacional. É ridículo, mas não dá pra rir.

 

O presidente é o único político não citável do mundo. Obriga repórteres a pedirem desculpas e colocar “piiii” toda vez que reproduzem sua fala. Crianças não podem assisti-lo e a classificação etária do Ministério da Justiça está enlouquecida com os pronunciamentos oficiais. É ridículo, mas não é engraçado.

 

Enquanto isso, esperamos por vacinas, por consultas, por leitos. Esperamos por oxigênio e por anestésicos. Não temos tempo de rir de nós mesmos e comemorar futebol, como no tempo de Stanislaw, ocupados que estamos em morrer, engolir o choro e nos enterrar sem despedidas. Hoje não temos direito à analgesia do riso.

 

Agora é o mundo que ri de nossa cloroquina, de nossos governantes, da nossa “preservação” da Amazônia. Riem de nós nos parlamentos, nas universidades, nas redações e estúdios. Riem às vezes constrangidos, com pena, ao mesmo tempo em que nos evitam e temem o viveiro de cepas, o covidário em que nos tornamos. Viramos os párias que nossa diplomacia preconizou, segregados em nossa insanidade e virulência.

 

Este é o Brasil de hoje. Nem sabemos o tamanho da dor porque ela ainda está em curso. Não sabemos ainda quantos, quem ou como seremos amanhã. Choramos a dor de agora sem saber aonde ela vai. Precisamos ficar vivos e precisamos de esperança porque até ela está fugindo de nós.

  

Esperança nem que seja de ouvir as cadeiras sendo dispostas outra vez em Nuremberg.

Comentários

Darci Siqueira disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Darci Siqueira disse…
Blogger Darci Siqueira disse...
Mito bem escolhida essa Crônica.Uma das melhores crônicas que já li até agora. Digna de uma postagem internacional. Ajudei a eleger esse Presidente juntamente com milhares de brasileiros, mas não me culpo; afinal, não foi a primeira vez, nem será a última de ser enganado por um suposto Salvador. É como bater um limão inteiro no liquidificador, sentir o cheiro delicioso da limonada e após virar no copo e adoçar, deixar o suco para tomar mais tarde, e na hora de beber, sentir aquele gosto amargo do sumo do limão e dizer para si mesmo: Fiz o suco errado. Kkkkk. Continuem nos abençoando com suas crônicas.Abraços.

20 de abril de 2021 18:34 Excluir
Zoraya Cesar disse…
Albir, Albir, qta verdade em palavras tão bem ditas.
Stanislaw Ponte Preta, Sergio Porto, nem teria verve para um FEBEAPÁ. A coisa perdeu a graça...
Albir disse…
Obrigado, Darci e Zoraya!
Paulo Barguil disse…
Não temos Stanislaw, mas temos Albir! Parabéns!

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