EXAMES DE ROTINA >> Sergio Geia
Bom.
Se crônica é isso, falar de coisas pessoais, assim, assado, e
Clarice tentou fugir e não conseguiu — veja em Viajando por
Mar, “um dia telefonei para Rubem Braga, o criador da crônica,
e disse-lhe desesperada: ‘Rubem, não sou cronista, e o que escrevo
está se tornando excessivamente pessoal. O que é que eu faço?’
Ele me disse: ‘É impossível, na crônica, deixar de ser pessoal’.
Mas eu não quero contar minha vida para ninguém: minha vida é rica
em experiências e emoções vivas, mas não pretendo jamais publicar
uma autobiografia. Mas aí vão minhas recordações de viagem por
mar” —, allá voy, ou, aí vai ela, pois, para o caso,
deixo a crônica falar.
E
ela fala assim: Sexta-feira brilhante, sexta-feira-ouro, bela,
belíssima. Aliás, no outono é sempre igual — as folhas caem no
quintal (by Sandy e Junior) — os dias tomam banho de tanta
lindeza. É como se o dia ou o que entendemos por essa abstração
chamada dia, suas manhãs, tardes, noites, brisas, luz, cores
recebesse uma roupa nova, fosse vestido pela estação, tal qual um
pobre alguém maltrapilho que recebe a visita de um mágico; com sua
varinha à la Harry Potter, o pobre alguém surge reluzente,
elegante, transformado. Esse mágico é o outono. Ó God,
quantos de nós não andam precisando de um outono na vida?
Dia
claro, nem tão quente, nem frio, ideal para um almoço na serra,
Campos, Santo Antônio, São Bento, truta com pinhão, vinho branco,
mas para quem trabalha e tem rotina como eu, essas maravilhas ficam
para o fim de semana.
Mas
nem trabalhei sexta, confesso, quanto menos subi a serra. Fiz exames
que Laura pediu: eco, teste físico, mapa, exame de sangue, essas
coisas mundanas e necessárias. Laura, com essa intimidade mesmo,
embora nem intimidade exista, e sim juventude, olhos que brilham,
entusiasmo, isso é Laura. Mas fica aqui o meu protesto. Desgosto.
Profundamente desgosto. Exames cardiológicos me tensionam. Desce em
mim uma coisa do outro mundo, tipo capa pesada, as costas arriam, não
consigo segurar a onda. Nessas condições, o mau paciente que me
torno contribui para o diagnóstico fake. Não sou eu esse
homem cinza que faz exames. É caso de terapia. Qualquer dia vou.
Tenho
medidor aqui em casa. Como meço regularmente, ELA sempre gira em
torno de doze por oito. Tomo remédio desde 2001. Pois coloquei o
aparelhinho no braço lá na clínica e a mocinha me perguntou se
tenho ELA alta. Sim, quanto mais agora, disse; daqui a pouco baixa.
Dezessete por oito.
No
último mapa que fiz, uns dois anos atrás, não houve alteração,
nenhumazinha. O de agora, embora sem o resultado ainda, foi uma festa
de céu e terra. Ou o remédio anda mal, ou o remédio não dá cabo
DELA, que sobe a serra por causas emocionais.
Até
acabei fazendo arte. Como faria a esteira e ELA não baixava, tratei
de dobrar o remédio por minha conta e risco perdoe, querida Laura ,
com resultados para lá de duvidosos. Em casos assim, normalmente me
abasteço de um bom Lexotan. Na verdade, ele me recoloca no meu nível
de ser, no que regularmente sou, mas no caso, não me atrevi,
imaginando que seria o mesmo que degustar uma mousse de chocolate com
bacon.
Fui
para a esteira igual a um condenado que entra no corredor da morte
(quanta bobagem). Nem me atrevi a perguntar à mocinha que fazia o
exame quanto estava ELA, enquanto me paramentava com uma imensidão
de fiozinhos — na verdade tinha receio de que ELA me boicotasse e
eu não conseguisse fazer o exame. Pois andei, andei, suei, suei,
depois corri, corri, e tudo seguiu nos conformes, sem que ELA me
atrapalhasse.
Deixei
a clínica e senti que já era o mesmo de sempre, leve como um
barquinho de papel correnteza abaixo; a capa pesada ficou lá.
Cheguei em casa, botei meu aparelhinho, medi a pressão: onze por
seis. Registro: aparelhinho calibrado, após comparações com o
esfigmomanômetro (cruzes!) da clínica.
Foi
quando decidi. Tenho certeza que ELA, em dias comuns, é
absolutamente normal. Pois a medirei algumas vezes por dia durante
uma semana, repetindo o exame, depois passarei o resultado para a
Laura.
Psicólogos,
psiquiatras, terapeutas de plantão: SOCORRO!!!
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