DOCE FÁBULA DE UMA TRAIÇÃO >> Sergio Geia
Desde
que a conheceu ele sonhava com aquele dia. Não queria se amarrar,
mas com ela foi diferente. Nas baladas, era comum ficar com uma ou
outra, beijar, uns amassos, terminar a noite num motel às vezes, mas
depois, não queria saber. Um amor destruído por picuinhas fechara a
sete chaves o seu coração.
Mas
aí ela veio, meiga, doce que só ela, ele não aguentou. No começo,
até que tentou resistir; dizia a seu coração, como se diz a
alguém, como se ele fosse gente que nem eu, você, e ouvisse: “deixa
disso, migão! Você sabe como funciona, não entra nessa!”. Tentou
dominar o sentimento (e sentimento se domina?), controlar o ímpeto
da paixão, mas aqueles olhos de mel, a pele branca igual neve, os
cabelos quase ruivos, bom, você deve saber.
Passaram-se
quase dois anos de namoro fresco, calmo, como uma tardezinha de
domingo, mas também quente entre quatro paredes, e ele tratou de ir
à casa do sogro pedir a mão daquela que escolhera para acompanhá-lo
por todo o sempre.
O
pai da noiva, homem rústico, criado na roça, que vivia do pequeno
sítio que possuía, vendo chegar aquele mocinho da cidade, todo
mauricinho, gel no penteado, perfume, carro moderno, ficou
apreensivo. Mas educado sempre foi, e não tratou mal o sujeito
escolhido pela filha, ainda que com reservas.
Mais
tarde, percebeu quão justo é o ditado que diz que as aparências
enganam. Conhecendo mais de perto o moço, logo se encantou com a
natureza morna do bom rapaz, respeitoso, educado, e — o mais
importante —, estava conseguindo pôr um freio na filha, coisa que
jamais conseguira. Ela, que cismara com um tal de Pedro Salustiano,
filho de um fazendeiro da região, moço impetuoso, tipo Gael no
início de “O outro lado”, agora parecia encantada com aquele
moço da cidade; até sossegara um pouco, e, comparando os dois, ele
via com clareza que o moço da cidade tinha mais aptidão para fazer
a filha feliz.
Passado
um ano do dia em que a filha apresentara o namorado ao pai, decidiram
todos, noivo, noiva, pais, mães, irmãos, irmãs, cachorro, gato,
periquito, papagaio e coisa e tal, que chegara a hora de marcar o
casamento. O pai da noiva, feliz pela escolha da filha, cedeu o sítio
para a cerimônia e festança.
O
vilarejo todo se animou. O pai da noiva mandara convidar a roça toda
(você sabe como é festa na roça), comprou chope, matou uns bois,
contratou gente para assar a carne, até dupla caipira ele chamou.
Preparou uma grande festa, a noite era convidativa, apesar do frio
que desce nervoso depois que o sol se põe. Ouviam-se rojões, balões
passeavam no céu, a criançada soltava bombinha, uma enorme fogueira
foi acesa.
Ocorre
que na hora marcada para a cerimônia a noiva não apareceu. Quem
apareceu foi o pai, sozinho, macambúzio, sem saber o que dizer.
Procurara em todos os cantos da casa, a cabeleireira jurava que a
tinha deixado pronta. Mais tarde, um vizinho pra lá de Marrakesh
disse tê-la visto na garupa de uma moto agarrada a Pedro Salustiano.
A
noite terminou com o pai da noiva consolando o futuro e agora
ex-genro, que bebeu como nunca. Dizem que até desmaiou e foi levado
às pressas ao hospital (coma alcoólico?), mas sobreviveu.
Depois
veio a confirmação: Pedro realmente fugira com a noiva.
Ela
hoje mora no Rio, é atriz, solteira, mãe de duas ruivinhas
adoráveis.
O
noivo estudou agronomia, mas não chegou a se formar.
Hoje
vive em Amsterdam, casado com uma holandesa, com dois filhotes também
ruivinhos, dizem que tem um bar nas proximidades da Red Light
District.
Pedro
sumiu pelo mundo, ninguém sabe dele.
P.S.:
Essa história bobinha, mas secular, agora aberta a fórceps, e
reciclada, foi a forma que encontrei para saudar este junho frio que
chega carregado de festanças. Viva São João!
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