DESTINO KM 162 (AO SOM DE MICHAEL BUBLÉ) >> Sergio Geia
Vez
em quando tira o pé, encolhe a perna. Especialmente em mergulhos,
bom momento, acha, suaviza. Ela vem assim, sem avisos, chega
chegando, fica. Não tem noção exata de como a relação dos dois
vai terminar, confia que ela vá embora, sempre vai. O que é uma
espécie de oásis, cama quente, perfumada, logo se esvai:
serpenteando, uma fila imensa, longa, lenta, precisa interromper o
interlúdio relax. Depois, como num passe de mágica (bem clichê),
ela desaparece — causa-lhe asco a lentidão excessiva,
especialmente quando interrompe momento tão bom. Entra num funil,
uma espécie de túnel branco, caverna que o embrulha, como se lá no
céu, se lá estivesse, mergulhasse na mais branca das nuvens; é
fria, chega a doer. Às vezes se esquece de tudo, até dela, como
agora, quando o rádio toca “Quando, quando, quando” (ó,
querida, me diga quando, quando, quando). Aumenta o volume,
desliga-se, ou tenta, inebriado ainda por um insistente perfume de
Gelol.
Lembra
que se encontram no São João, todos os anos. Céu de brigadeiro,
vento frio. A carioca loura recomenda aquele bolinho, apontando
(Jacareí x São José?). Tem também esse, mas aquele é “o
bolinho”. Tem saudades da carioca, da boa prosa no “Boa”.
Ladeando as letrinhas, destino km 162 (ao som de Michael Bublé,
“Tell me quando, quando, quando”),
desliza na mente a imagem alegre da carioca. Militarmente a imagem
vem, doce (apesar de militar não combinar com doce), sorriso largo,
escancarado, prosa intensa, comprida, prosa boa. Militarmente vai,
vai pra Brasília, Quito, Brasília. Pequena, simpática, de muitos
brasilinos e brasileiros, poetas apaixonados por melado de cana,
taiada revive nele, com o vigor de sua nativa estância.
De
repente, ombros se mexendo; ligados por um botão, eles não param,
como se um bicho bem Alien tivesse dentro deles e quisesse
sair. Tem vontade de parar, pular fora, num frenesi, dançar, e
dançar loucamente (como resistir?), cabelos molhados, baratotal.
Aumenta mais uma vez o volume. É Sway
— when marimba rhythms start to play, dance with me, make me sway.
Ele dança, ela acompanha, movimentos rápidos, vão de um
lado, do outro, varrem o salão, colados, separados, olhos intensos,
um no outro. Termina Sway; sem descanso, continuam outra, e
outra, e outra, e outra, e mais outra, soltando corpos, extreme
dance, até o limite, limites inatingíveis, até melar o corpo.
Como gostaria de ter balanço, gingado, remelexo, algo do tipo, bem
natural, não a pedra dura que é. Nem as aulas de dança com os
Portelas conseguiram relaxar algo que nasceu disciplinado, hermético,
rocha. A imagem avassaladora e melada e ficcional desaparece como o
nevoeiro agora tragado pelo sol.
Cabelos
de neve, chapa de camisa azul acena. Tem disposição, ou acha que
tem, quer trabalho, precisa de. Loura de regatinha também. Trem
laranja-limão também. Crianças gritam na brincadeira matinal, na
marginal. Fusca azul. Lembra do seu, cinza-chumbo. A vista verde, que
não é verde, se enche de água. Hello, Vista Verde!
Bem poderia ser uma espécie de flamenco, quem sabe salsa, ou um bolero pra se dançar juntinho, tipo Alejandro Sanz, mas é San José de Los Campos que surge musicalmente e bela no melhor estilo tardelliano de ver as coisas, prédios enormes emoldurados por um azulíssimo céu, numa manhã fria invernal. Everything dá o tom, and in this crazy life, and through these crazy times, it’s you, it’s you, you make me sing, you’re every line, you’re every word, you’re everything (E nessa vida louca, e por esses tempos malucos, é você, você me faz cantar, você é cada frase, você é cada palavra, você é tudo), pura cena de cinema, chega a abrir o vidro para o vento entrar. Poderia congelar o momento, quando tudo parece perfeito, quando tudo parece funcionar. Só que não. Ela volta com mais apetite e abusando, toma conta de seu corpo. Por sorte, o 148 ficara para trás, o que permite um pouco de relax.
Lembra
da loura do clipe quando começa a tocar Haven’t met you yet.
Ele fazendo compras no supermercado, ela aparece, deusa de jeans,
sorriso de anjo, ou demônio, lindo, linda, linda.
Com
a imagem da loura, a perna em frangalhos, ele segue seu destino, km
162, Rio, Pensilvânia, Flórida, Brasil.
Comentários