O MARIDÃO, A QUARENTONA E O ROCK STAR >> Zoraya Cesar

Quando ela fez 40 anos, olhou para sua vida e nada viu de promissor. Durante a madrugada de seu aniversário trancou-se no banheiro e convidou o Espelho para uma conversa dura, mas inescapável.  

Um espelho, como vocês sabem, é dotado de certas peculiaridades, entre elas, a de conviver intimamente com a Verdade. Que foi, portanto, na qualidade de amiga inseparável, chamada a participar da conversa. O Espelho mostrou à Quarentona um corpo ainda bonito e desejável, mas um rosto de olhos baços e desesperançados. A Verdade disse-lhe que entrara na fase dos ‘enta’ – quarenta, cinqüenta, sessenta... a fronteira final – e que metade de sua vida já passara, como pretendia viver a outra? 

A Quarentona levou um choque, nunca olhara para o futuro daquele jeito: era o resto de sua vida! Passara os últimos 20 anos de sua existência em um casamento vazio, por comodismo, com um homem que não amava e que nunca a valorizara.  Ao contrário, sempre dava um jeito sutil de fazê-la sentir-se medíocre, inferior, descartável, embora ela fosse muito mais bem sucedida que ele. A continuar daquele jeito, os próximos anos seriam piores.

Daqui a dez anos, garantiu o Espelho, você estará mais cansada e acomodada à infelicidade. Ah, isso é, completou a Verdade, com seu jeito brusco, estará mais velha também. Foi nesse instante que a Quarentona resolveu dar um outro rumo na vida que ainda tinha pela frente.

Uma separação – quem já passou por isso sabe muito bem – não é coisa fácil, muito menos quando um dos lados não está de acordo. 

O Maridão  debochou de sua decisão, afirmando que separação àquela altura do campeonato era fruto da famosa crise dos 40, coisa de gente maluca. Logo ela, sempre tão ajuizada, ia entrar nessa esparrela? O que ela iria fazer? Viver sozinha? Cai na real, ele disse, ninguém presta atenção em mulher que passou dos 40. No máximo, arranjaria outro homem igual a ele, trocaria seis por meia dúzia. Ela já não era criança para jogar a vida fora, que sexo a toda hora era coisa pra gente jovem. Que estava ficando velha, devia dar graças a Deus por ter um marido em casa. 

E um marido bom, dizia dele mesmo, sarcástico. Batia? Maltratava? Esquecia de dar presente na data do aniversário? Responda, que motivos tem você para se separar? Ela não saberia responder com exemplos, data e hora marcadas, pois eram situações que se estendiam ao longo do tempo, palavras, atitudes, omissões que não tinham como ser definidas. Tudo muito discreto, quase imperceptível. Se tentasse explicar, aí sim, seria considerada doida. 

Para a Quarentona, no entanto, não se faziam necessárias mais explicações. Era um casamento insatisfatório, sem amor, sem tesão, sem planos futuros nem presentes, sem carinho, romance, nada que valesse a pena. Era uma convivência, apenas. Que nem estava tão boa assim. 

Permaneceu, portanto, não obstante todos os argumentos, firme em seu propósito de viver a vida que lhe restava. Não sabia bem o que faria, sua única certeza era que naquele casamento não ficaria mais. Podia se sustentar sozinha, era hora de se lançar ao mundo, antes de ser nele enterrada.

Algum tempo depois de anunciar seu intento de separação, ela viajou para ver um show de rock. O Maridão a humilhou, que ridícula, estava realmente tentando ser jovenzinha de novo. 

Assistiu à apresentação pela televisão, resmungando que só mesmo a crise dos 40 poderia justificar uma socióloga de meia-idade gostar daquela porcaria. Logo a realidade bateria à porta, e a Quarentona voltaria, humilde, cabeça baixa, conformada. Ele ainda a vislumbrou, de relance, esbaldando-se pertinho do palco, na área reservada. Ciúmes, não sentiu; só o ressentimento de sempre. Como ela conseguira?

No dia seguinte, ele recebeu um what’s app: “encontrei uns amigos aqui, vou passar o final de semana com eles, depois dou notícias”. O Maridão nem se importou, aquilo fazia parte do pacote “quero ser jovem outra vez” da mulher. 

Os dois dias se transformaram em cinco, pois a Quarentona decidiu acompanhar a banda em outra cidade. O Maridão mandou uma mensagem de volta: “deixe de ser absurda, não se enxerga? Tá fazendo papelão de velha assanhada, não tem vergonha? Vai se arrepender”. 

A resposta veio uma semana depois. Ligou para dar a notícia que o Maridão nunca, no fundo, acreditara: que entrara com os papeis do divórcio; o advogado faria contato naquela semana. Ele ficou em silêncio, aturdido. A Quarentona continuou: estava namorando, oficialmente, o vocalista do grupo, e seguiria com ele o resto da turnê. E por que não? Era acadêmica, fazia suas pesquisas em casa, pelo computador, poderia fazê-las em qualquer lugar. Portanto, que o ex-Maridão não a esperasse, pois ela não voltaria àquele casamento falido. 

Nesse instante crucial, em que uma palavra, um ato, qualquer piscar de olhos pode mudar o rumo da história, ele só consegue dizer:

- Mas, como assim, namorando o vocalista? Tá doida? Você já tem 40 anos!

Ela respirou fundo, sorriu mais fundo ainda e respondeu, do auge de sua alegria:

- Mas ele tem 36.

E bateu-lhe o telefone na cara. 

(Não vou entrar nos detalhes do namoro da Quarentona com o Rock Star, que não sou indiscreta. Revelo, no entanto, que ambos estavam muito felizes. Ela não sabia quanto tempo duraria a aventura, mas de uma coisa  tinha certeza: havia vida após os 40, havia vida além de um casamento sem sentido. Aliás, a única coisa que ela quis levar no divórcio foi o espelho do banheiro.

Comentários

nossa, a criatura agora, além de escrever bem, lê almas...

parabéns, Zô, pela sensibilidade de sempre...

beijo.
Marcio disse…
Tudo bem que é uma obra de ficção, mas rock star de 36 anos exorbitou qualquer licença criativa. Rock stars estão pelos setenta anos, sem perspectivas de renovação dos seus quadros.
No mais, tenho que me render à obviedade: excelente texto, de uma autora cada vez mais madura e segura em suas criações.
Uma última observação: se a Quarentona resolveu ir a um show de rock porque não agüentava mais o seu casamento, ela já deveria estar à beira do suicídio. Quanto desespero de causa!
Claudia D disse…
Nossa! É preciso muita coragem para dar uma guinada na vida assim, ainda que fosse com um violinista de 67 anos da OSB e não um rock star... rsrs
Amanda Lins disse…
Também acho! Se bem que eu prefiro um rockstar de 36 kkk. To chegando nos 40 e acho q vou conversar com o tal espelho agora. valeu o texto!
Erica disse…
Sempre é tempo de acordar para a vida e se dar conta de que o que não está bom não precisa continuar ruim pra sempre...
aretuza disse…
desculpem os rapazes leitores, mas só as mulheres entendem o que é se encarar no espelho e depois encontrar um rockstar.... tudo metáfora, meninos!
Albir disse…
Se você estiver na fase de atender a pedidos, gostaria que fosse indiscreta e contasse detalhes do namoro. Beijos, Zoraya.

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