CONTINUO SEM SABER DE MIM >> Carla Dias

Não sou a pessoa que encontro a cada manhã, o olhar enevoado, a rotina desprovida daqueles gracejos usuais, provocados pela vontade de pensá-la colorida; a rotina lírica, atrevida.
A ousadia me dispensou há tempos, pois até mesmo ela tem de se alimentar. E ando dando de comer a ela somente as raspas, os restos, a letargia. As esperas vãs.

Dei a informação sobre o ônibus e ignorei os cabelos.
Antes que me esqueça de esclarecer: não era apenas sobre ônibus pra Lapa e cabelos cortados. O estranho disse que era recado de Iemanjá. E eu sorri da ironia... O que desejaria a rainha do mar de uma pessoa que mantém os pés no concreto há tanto tempo?
Há pessoas sensíveis nessas ruas e, às vezes, encontro alguma que me faz re-experimentar o passado e o trampolim para o futuro; desvendar delícias no presente. E a confusão amarga, mas depois se torna agridoce.
Estava zanzando, rodopiando sem destino pelo quarto. Sambei tristezas ancestrais; distraí mágoas com meio-sorrisos. Invadi o passado e trouxe de volta as lembranças de mim, quando pensava no amanhã como ele fosse um milagre certeiro: acordar, enxergar, tocar, experimentar.
No meu dentro, a rotina ainda tem seus momentos de excentricidade: flerta com distâncias, embarga mágoas; tem amor arisco, doce, tresloucado. Nessa rotina, os sabores se misturam, os perfumes também.

Meus erros me fortalecem, mas também me levam a ensimesmar. E lá no mais profundo de mim, necessito de gritos, tambores alucinados, noites a sós com as promessas de realização sendo cumpridas.
Há uma de mim que vive meu fora, e ela é cética, prática, medrosa. Há uma de mim que vive meu dentro, e ela não é, porque se transforma constantemente, com a mesma euforia dos sentimentos. Elas se sentam, lado a lado, parecem irmãs, mas brigam pela minha alma. E é justamente essa uma de mim, a que nasce dessa disputa, que busco reconquistar, porque ela tem flores nos cabelos, esperança no coração, música na alma, poesia nas veias.
A miscelânea de sensações me faz doer o estômago, ao mesmo tempo em que me acalma: ainda tenho jeito.
Joss Stone - Right to be wrong
www.carladias.com
Comentários
Beijo.
Fico feliz em poder iluminar as suas quartas...Adoro minhas quartas aqui no Crônica, acho que por isso, ainda tenho jeito.
Bjs!