VIAGEM >> JANDER MINESSO

 

Não que eu seja fuxiqueiro. Longe disso. Mas tem alguma coisa no metrô que me obriga a prestar atenção na conversa alheia.

Era segunda-feira. Para me distrair no caminho até o trabalho, lia uma coletânea do Rubem Braga. Cheguei na Chácara Klabin, baldeei para a linha lilás e, aproveitando os bancos vazios, decidi sentar para apreciar melhor minha leitura. Só que esse momento de solitude durou pouco. Na estação Santa Cruz, um casal entrou e sentou atrás de mim. No começo, aquela barulheira que invade o vagão quando as portas se abrem não me deixava ouvir nada. Mas assim que as portas se fecharam, minha atenção foi fisgada pela afirmação da moça:

– Pois eu prefiro fazer o cruzeiro e pronto.

– Você chegou a ver o preço? – indagou o rapaz.

– Uns três mil cada um.

– Será que vale a pena? Porque a passagem pro Chile tá saindo mil e duzentos.

– O que é que tem pra fazer no Chile?

– Sei lá. Mas seria legal conhecer outro país.

– No cruzeiro é tudo incluso: comida, bebida, tudo. Aposto que o Chile não tem b…

O metrô ancorou e o ronco furioso da estação tomou posse de tudo, interrompendo minha apreciação auditiva. Gente entrando, gente saindo, alerta de fechamento, aquela bagunça. Quando a paz voltou a reinar, o assunto já tinha andado:

– Quem é que quer ir pra Cuba, pelo amor de Deus?

– Só estou dizendo que seria um passeio interessante. E não está tão caro.

– Eu não estou juntando dinheiro há três anos pra ir pra Cuba.

– Nós dois estamos juntando dinheiro. O problema é que você não quer ouvir a minha opinião.

– E você ouve a minha? Cansei de falar que eu queria fazer um cruzeiro.

– E eu cansei de falar que queria conhecer o estrangeiro. Só que é sempre a mesma hist…

Estação AACD Servidor. Desembarque pelo lado direito. Se você não vai descer nessa estação, mantenha-se longe da região das portas. Stand clear of the closing doors. Depois de toda essa burocracia, quando o metrô partiu de novo, a coisa já estava chegando às vias de fato:

– …que eu não engoli até agora.

– Tá vendo como você é? Fica remoendo um negócio de dez anos atrás.

– Não é remoendo. Mas eu sempre tenho que ceder. Lembra do Natal?

– Olha aí! Tá remoendo de novo. Vai se tratar.

– Por que você tem que me atacar de graça?

– Ah, para de achar que tudo é um ataque. Você é muito mimado.

– Se tudo que eu faço te incomoda tanto, porque você continua comigo?

– Não me dá ideia.

– Faz assim, então: pega o seu cruzeiro e en…

Estação Moema. Era a minha. Apesar da curiosidade, tive que descer do metrô. Se um dia eu reencontrar o casal, juro que pergunto para onde eles decidiram ir. Mas não sei, não.

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Imagem: arquivo pessoal