MARIAS À ESPERA >> Ana Raja
Maria, Maria, duas Marias habitando cidades, ruas, casas, becos; vidas parecidas, simplesinhas, costuradas por dores e abafadas por seus algozes. Rezam de joelhos no concreto, deitadas na cama, olhos de rio, escreventes de bilhetes endereçados ao mesmo santo; algum especialista em causas urgentes?
Trabalho fatigante. Insano. É necessário ajuda. Tomara que ele tenha um auxiliar para recolher as bolsas feitas de lona verde, reforçadas na costura, abarrotadas dos mais variados pedidos. Talvez exista um escutador, um cansado de falar, a ocupar o cargo de ouvinte das vozes em entonação misteriosa. Imagino o santo andando de um lado para o outro, em cima de um tapete vermelho desbotado, e selecionando as preces mais desesperadas; encontrando remetentes assíduas com o mesmo traço das letras e com a perna da vogal “a” sempre quebrada. Acredito na santidade do santo das causas urgentes, e diferentemente de alguns, acredito não ser imprescindível sermos atendidos por uma santa, mas sim um ser. Virilidade agressiva não pega bem no céu.
Sobre as Marias...
Estão nas páginas em branco, no rascunho manchado de líquido morno misturado a muco espesso gotejante. Se fragmentaram nas páginas arrancadas, não nas criadas. Nas páginas quase invisíveis em tom azul.
Vão dizer: muito vago, confuso, nebuloso, obscuro, inexato.
Aguardo a autorização para publicar as cartas e os áudios selecionados pelos assistentes do santo. Minhas Marias me encaram. Então, terei que passar, com nota máxima, em um teste, não desses de perguntas e respostas, mas de múltipla escolha.
Minhas Marias esperam, como sempre o fizeram. Algo nos olhos delas confundem, paralisam e me esvaziam de palavras. Meus dedos enfraquecem em contato com a folha pautada de linhas tortuosas. Me embriago de veneno imaginário – ousadia do meu processo criativo - que brinca a correr dentro de mim.
Nua, vigio a caixa de correio em dias de sol e de chuva, na esperança de encontrar uma carta na qual o remetente seja um santo qualquer. E que ele me atire flechas e me tombe na calçada feito bicho sem saída.
Só assim estarei pronta.
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