FRÁGIL >> Allyne Fiorentino

 

Ela estava sentada na mesa ao lado no restaurante, em um ângulo em que poderia vê-la perfeitamente de frente. Gesticulava como um regente de orquestra enquanto conversava com o marido. Ele, eu quase não conseguia ouvir, então a história ficou pela metade, fiquei sem entender o lado daquele pequenino homem que se apequenava a cada palavra dita pela sua mulher.

A verdade é que a história não me interessava muito, parecia uma coisa doméstica qualquer, sem muitas surpresas: uma mulher que tenta gerenciar as resoluções mal feitas de seu companheiro, apontando uma análise bem feita das consequências de seus atos impensados... um típico casal. Nada demais.

O que me chamou atenção mesmo foi a beleza da mulher. E que raro isso me chamar atenção, tanto a ponto de eu reparar nos detalhes de seu corpo, que talvez nem mesmo seu marido reparava mais. Tinha uma pele branca pálida, com bastante viço, apesar de parecer ter uns 40 e tantos anos. Sobrancelha bem feita, grossa e escura, como seus cabelos pretos, que combinavam perfeitamente com ela. Uma boca bem desenhada, olhos misteriosos, uma bela mulher.

Bem mais alta do que eu. Reparei quando ela se levantou para se servir. Reparei também nas roupas, uma saia comprida, até os tornozelos e uma camisa de manga comprida arrumada por dentro da saia, scarpin no pé, tudo isso juntamente ao tamanho do cabelo indicava que ela era evangélica. Mas não uma evangélica fofa. Não... ela bem poderia ser uma sargento de um grupo de evangélicas se quisesse.

A maneira como ela falava alto e levava a comida à boca ao mesmo tempo e gesticulava forte com a mão, apontando o indicador para todos os lados, parecia mesmo estar pregando em um culto, como bispa, ou seja lá o nome que dão a elas. Grosseiramente linda. Parecia haver ali embaixo das saias uma guerreira viking espertamente querendo se passar por moça do lar. Seu homem seguia falando baixinho e circunspecto.

E eu, feminista declarada e operante, ali ao lado levava meu garfo à boca com a delicadeza das mulheres aristocratas, agradecia ao garçom falando baixo, com um sorriso afável e educado, arrumava o talher na posição correta da etiqueta, indicando que havia terminado o prato. Eu... Recatada e do lar?     

Comentários

Nadia Coldebella disse…
Oi, Allyne! É interessante como as vezes nos prendemos a estereótipos, a crenças sobre o q deve ser uma coisa ou outra, e procuramos colocar as personalidades e temperamentos nestas caixinhas. Mas temperamento e personalidade transbordam. Eu tbm sou feminista declarada, geralmente sou muito educada, mas mas não suporto esses temperamentos autoritários e arrogantes, seja de onde vier. Homem ou mulher. E não tem nada haver com personalidade, crença ou rotulo. Acho que falta respeito humano. Esse marido sofre, acho. Crônica observacional muito interessante!
Zoraya Cesar disse…
A capacidade de nos fazer antipatizar com um personagem sem dizer q ele é isso ou aquilo, só descrevendo uma cena. Amei o final, podemos ser vikings sob uma capa de educação e boas maneiras. Essa necessidade que algumas pessoas (a maioria, hoje em dia, infelizmente) têm de esfregar na cara dos outros quem elas são ou como querem ser vistas é absolutamente irritante. E, mais uma vez , bem-vinda!
Albir disse…
Arrogância e grosseria poluem, estragam o ambiente. Isso deveria ser tratado na COP-30.

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