FIM DO MUNDO >> Ana Raja


Quando você passa a acreditar na existência do fim do mundo e que ele está próximo. 

Alguém já teve essa impressão?

Eu sei que, nos dias atuais, vivemos como se ele já estivesse aqui. Ligar a televisão em algum noticiário é acessar uma variedade de tragédias. Acredito que a miséria humana atingiu um nível jamais visto, se escancarando na voz da tecnologia: #foimorto. 

Ao passar quinze minutos sentada no sofá, com o controle da TV nas mãos, ouvindo barbaridades e vendo imagens inacreditáveis, a gente passa a acreditar que o fim do mundo existe, e mais, coordena nomes, CPFs, não escolhe código postal para fazer seu trabalho. 

Como isso aconteceu?

As pessoas estão imbuídas de ódio, rancor, inveja. Confiança no ser humano? Zero chance. Não existe mais a tal camaradagem. O perigo vem de todos os lados, de todas personalidades. Não importa se você conhece alguém há anos, se tem laços de amizade, de amor ou de trabalho. O horror muitas vezes vem da intimidade.

Homem de 59 anos, funcionário público. Desaparecido. Se alguém souber de seu paradeiro, entrar em contato com a polícia. Conforme relato da família e amigos, trata-se de uma pessoa tranquila e sem inimizades.

Essa notícia circulou pelos telejornais, além de tomar as redes sociais. Uma corrente se formou para encontrá-lo. Pessoa amiga, responsável com o trabalho, sorriso franco. Não havia indícios de problema algum de saúde, insatisfação com a vida, decepção amorosa, briga com promessa de morte, nada disso. 

Como desapareceu assim?

Depois de quase um mês, a polícia desvendou o caso. Encontrou o corpo em um matagal. O assassino, velho conhecido, por mais de doze anos, era pessoa de confiança. Prestador de serviço, fazia a manutenção da casa do morto. 

Infelizmente, a vítima não pode contar o que aconteceu naquele dia; se ele teve um lampejo de consciência enquanto levava marretadas na cabeça. 

Será que ele desejou morrer logo?

Esse ato, por si só, é um ... penso em como descrevê-lo, mas não encontro palavras. Inqualificável, certamente seria uma. Quando acho que o final da história chegou, vem o pior: o assassino contou com a ajuda do próprio filho, um adolescente de dezessete anos. Mataram, jogaram o corpo no matagal, voltaram para a casa da vítima, cozinharam, beberam cerveja, limparam seus vestígios e foram embora usando o carro do morto, com o qual circularam por alguns dias. Depois o abandonaram em um fim de mundo, mas não sem antes colocar fogo nele.

O motivo: esperamos a definição de algum para analisarmos se os assassinos tinham um fiapo de razão? A vítima carregava em sua alma vários motivos para viver. Nossas justificativas nunca justificarão tal ato.

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As dores delas, primeiro livro de Ana Raja, está a venda no www.editoraurutau.com.

anaraja.com.br

Comentários

Jander Minesso disse…
O ser humano tem um lado horrível. Também tem um lado incrível, mas esse rende menos notícias.
Nadia Coldebella disse…
As novidades são ruins. Deixam a gente com a sensação de que o mundo desce ladeira abaixo. Eu mudei minha percepção sobre isso numa conversa com meu pai. Cheguei na casa dele chorando muito, depois de fazer a avaliação de uma criança q passou por uma violência sem tamanho. Naquela semana haviam sido várias violências sem tamanho e eu mergulhei fundo numa dor sem tamanho também. Disse: Pai, como as coisas chegaram a esse ponto? A humanidade se perdeu. Meu pai disse: filha. As coisas melhoraram, antes isso também acontecia, só q era escondido. O q meu pai estava me dizendo era q se a coisa fosse conhecida, alguma coisa poderia ser feita. Havia esperança. Faço dessas as minhas palavras: Há maldade, mas há esperança. Depende de quem enxerga.
Zoraya Cesar disse…
queria muito enxergar como o pai da Nadia Countess, mas nao consigo. Só consigo pensar em coisas também violentas a serem feitas com pessoas assim. A quebra de confiança, a traição, é a pior faceta da humanidade. O que nos diferencia dos animais são os valores filosófico-morais, tipo honra, dignidade. Se nao temos isso, nada somos.
Allyne disse…
"O horror muitas vezes vem da intimidade"... Gostei. Muito verdadeiro isso, é uma pitada de sadismo à já tão comum violência. Beijos.
Viver dá medo. Cada dia um horror.

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