FÁBULA >> JANDER MINESSO

 

Há muito tempo, em um reino muito distante, havia um gigante adormecido. Segundo a lenda, um dia ele acordaria de seu sono de mais de cinco séculos para acabar com o festival de abusos que os governantes do reino perpetravam.

No mundo dos contos de fada, as piores coisas acontecem por causa de jovens cheios de boa vontade. Esta fábula não é exceção. O caixa do reino estava baixo e os governantes decidiram aumentar o preço das viagens de carroça em vinte moedas de cobre. Tal decisão bastou para que toda a juventude saísse às ruas dos vilarejos em protesto. Bloquearam estradas, marcharam até os portões dos castelos, gravaram entrevistas para o Jornal Nacional e deram o nome. Tanto fizeram que acabaram atraindo ainda mais gente descontente. E com aquela barulheira generalizada, é óbvio que despertaram nossa criatura de seu torpor secular.

No começo, acharam o máximo. “O gigante acordou!” gritavam, crentes de que o despertar do bicho era sinal indelével da aurora de um novo tempo. De certo modo, estavam certos.

Esqueci de mencionar que o bicho tinha duas cabeças. No começo, ninguém deu muita bola para o fato. Até porque, a essa altura, gente bem-intencionada de todas as idades já tinha se unido aos jovens e ninguém mais lembrava do aumento no preço das viagens de carroça. O negócio era comemorar que o gigante tinha acordado e tocar o terror nos governantes. Só que ninguém chega ao poder e permanece lá sem aprender um truque ou dois pelo caminho. Assim, quando a baderna estava grande demais, alguém da alta cúpula do reino chamou a turba furiosa e perguntou:

– Qual das cabeças do gigante vocês preferem: a da direita ou a da esquerda?

O resto é história.

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Comentários

Nadia Coldebella disse…
Putz! Que cabeçada! Textaço, finalizado com uma ironia fina, certeira e cortante.
Mas cá entre nós, tem certeza que o gigante acordou msm? Ele não seria sonâmbulo?
Anônimo disse…
Sou suspeito porque muitos me julgam como sendo defensor da cabeça da direita… mas como diz um amigo, as coisas não são nem pretas e nem brancas, elas são cinza…
Ana Raja disse…
Que texto fantástico! Adoro ler vc, Jander.
Zoraya Cesar disse…
A facete Jander fabulista ficou fabulosa (trocadilhos infames são perdoáveis, às vezes). Curto, certeiro, perfeito.
Albir disse…
Muito bom, Jander! Mas acho que esse gigante acordou pelo menos umas 4 vezes durante o século passado.

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