DECIBÉIS >> Ana Raja


Ando incomodada com volumes altos. A impressão é que a minha tolerância diminuiu. Chego a comentar sobre isso e brinco que deve ser da idade. Ao envelhecermos, nos permitimos selecionar os ruídos que nos afetam, para o bem e para o mal. 

Pesquisei os níveis de decibéis aceitáveis para descobrir se era a voz da minha intolerância a me fazer sentir desse jeito, e se ela era justificável. O nível ideal é de até 55 decibéis, isso equivale a uma rua com trânsito leve. A partir de 60 decibéis, até uma conversa pode agredir o organismo e causar desequilíbrio emocional. 

Para continuar discorrendo sobre esse assunto, batendo esse papo com vocês, só consigo me basear nos 55 decibéis. Mais alto que isso, se torna ensurdecedor.

Não que os níveis acima sejam insuportáveis.  Sou capaz de caminhar pela rua e não me incomodar com os ruídos dos carros, por exemplo. Posso conversar com os meus amigos animadamente em um espaço pequeno e não me irritar. Então, comecei a refletir sobre o que estava me afligindo. Seria do meu organismo? Considerei procurar um médico.

Voltando às situações que desencadearam o desconforto atual, chego à conclusão que o gatilho dessa quase fúria são as atitudes das pessoas, se falam alto em ambientes que pedem um pouco mais de silêncio, ou quando fazem questão de serem notados por aqueles que nunca as viram, se fazem perguntas ou comentários idiotas. Descobri isso durante um passeio, do qual o objetivo era a contemplação, o que sempre pede por voz baixa. 

Mas bastou um casal acompanhado de um guia turístico para acabar com a harmonia do lugar.

As informações concedidas pelo guia serviam para todos no local, mesmo para os que não queriam escutá-las. As risadas e as gracinhas sem graça do casal, os berros do guia para mostrar como ali se produzia eco, o barulho das latas de refrigerante sendo abertas, o som do saco de salgadinhos sendo remexido e então amassado foi um combo que me causou taquicardia. Tá bom, posso estar sendo chata. Quantas pessoas ali nem perceberam e tampouco se incomodaram com isso?

Mas eu comecei a ficar irritada e os meus ouvidos reclamaram.

O casal não estava interessado num passeio, digamos, mais introspectivo, assim, logo foram embora. Depois das fotos e das comidas veio o comentário da mulher encerrando a presença deles no local: não tem mais nada para ver. 

Fiquei naquele lugar por duas horas; se pudesse, ficaria mais. Para a minha alegria, o passeio do casal durou vinte minutos. O silêncio que se seguiu, após a partida deles, foi incrível, até os meus batimentos cardíacos desaceleraram. 

As pessoas deveriam experimentar a quietude e os bons modos.

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anaraja.com.br


Comentários

Anônimo disse…
Adorei a reflexão, estou escrevendo uma crônica sobre o abuso coletivo do silêncio. Adorei.
Anônimo disse…
Assinado. Soraya J
Zoraya Cesar disse…
Ana, me solidarizo total com vc. Não é a velhice nem a idade avançando. O que está avançando são as pessoas dentro do nosso espaço civilizado. Me perturba tanto as pessoas falarem alto desnecessariamente, q nao consigo mais frequentar certos restaurantes. Me incomoda pessoas falando alto em museus, por exemplo. Sinto surtos homicidas. Acho até q vou levar pra terapia. Nao posso perder meu réu primário.
Jander Minesso disse…
Misofonia: a gente vê por aqui. Eu sinto sua dor, Ana: desejo o mal para cada motociclista que acelera quando passa por mim, só para citar um exemplo.
Francisco disse…
Hoje em dia nem um sítio resolve. Fui morar em um por esse mesmo motivo, mas logo desisti. O vizinho tinha um som potente de fazer inveja ao Rock n Rio (e não tocava rock também). Nos finais de semana? Festa! Deus o livre...
Albir disse…
Muito oportuno, Ana, porque ninguém dá importância a essa poluição que está enlouquecendo as pessoas. Ninguém fiscaliza canos de descarga, buzinas, sirenes, horários e locais de silêncio obrigatório. O poder público e conivente.

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