É TOP >> André Ferrer

Invariavelmente, fico estupefato porque a resposta das pessoas parece forjada com o único objetivo de empobrecer a vida e o mundo.

— Por quê nunca viajei para cá? É top!

— Comida top!

— Nem te conto! Esse filme é muito top. Sério.

Eu sei. Vivemos uma época complicada demais para julgar quem reduz as qualidades de uma obra de arte a isto aqui: É top. Comodismo? Pobreza de espírito? Preguiça? Silêncio. Todo cuidado é pouco. Afinal, o preconceito pode estar embaixo daquela tampinha de garrafa que você chuta no caminho para casa.

IMAGEM: ChatGPT

Vamos lá! Um vocabulário pobre pode ser consequência da vivência de uma pessoa e do ambiente. A falta de acesso a uma educação de qualidade e a pouca prática de leitura, por exemplo, têm um peso enorme no processo de domínio da língua bem como o convívio restrito a círculos em que a comunicação é simplificada e direta. Existe, sim toda uma guerra social que deixa mortos e feridos pelo caminho e eu espero ter chutado aquela tampinha com delicadeza suficiente dessa vez. Sem ter, é claro, incomodado o demônio que vive sob ela.

Sendo assim, uma pessoa pode resumir a ópera com um sonoro É top! e ser tão desculpável quanto o escorpião da fábula, que pede carona ao sapo, promete a paz e termina ferroando o anfíbio no meio do rio.

‘Tá desculpada. A sua natureza ‘tá desculpada.

Outras razões da miséria vocabular podem incluir dificuldades cognitivas, o que seria ainda mais desculpável, e algum tipo inconfessável de sofrimento. O interlocutor também poderia ter um desinteresse atávico em se comunicar, afinal, a humanidade existiu por centenas de anos sob esquemas bem simples. 

Ora! Por quê diabos um filme precisaria ser discutido se é mesmo “topzera” no momento em que é assistido?

Comentários

Nadia Coldebella disse…
Ia dizer bem isso, q pior q top, é topzera! Afff. Acho q a explicação mais explicativa é o retrocesso de pensamento e a consequente falta de conhece a ti mesmo. Dessa forma se perdem as nuances, só se reconhece a massa bruta. Mas veja, no início de tudo era uga uga. Agora é top top. Uga é força, top é beleza! Pelo menos "a gente evoluímos". Topzeira, mano!
Jander Minesso disse…
É quase uma função fática, né? Seu texto me lembrou um pouco daquelas cenas tristes de novela no Fahrenheit 451. Pensando assim, a comunicação toda tem ficado fática: a gente fala só para testar o canal.
Zoraya Cesar disse…
Na brincadeira acabei aprendendo uma palavra nova, topzera! Top já está nos holofotes, topzera eu nao conhecia. Meu Deus, estou ficando desconectada. Ferrer, vamos chutar e amassar a maldita tampinha. Por baixo dela está nao o preconceito, mas a ideia burra (ou de má-fé, nao sei, aceito teorias da conspiraçao bem embasadas) de que falar direito, ter vocabulário, entender e se comunicar com sentenças completas, tipo sujeito-verbo-predicado, é elitismo héterobrancofálico. Texto q leva a grandes reflexões, Mr. Contundente Necessário.
Albir disse…
Vamos anabolizar os músculos e atrofiar a fala, depois é só trocar socos em vez de palavras.
Paulo Barguil disse…
André, a sua crônica está top!
Soraya Jordão disse…
acho que tudo começa quando aceitamos o "legal" para todo e qualquer comentário. rs. o quanto disso indica o desinteresse pelo outro.

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