ORTOÉPIA >> JANDER MINESSO
Descobri outro dia: Ortoépia é o estudo da correta pronúncia das palavras. Que coisa chata para se estudar.
Existem palavras que funcionam melhor na versão errada. Outro dia, um amigo não precisou de muito esforço para me convencer que um trabisseiro é mais confortável do que um travesseiro. Se você falar os dois em voz alta, vai notar que o travesseiro tem uma chapa de peroba dentro. Já o trabisseiro é fofo na medida exata, perfeito para embalar seus sonhos mais doces.
O Chacrinha estava certo quando disse que o importante é comunicar. A linguagem é apenas um meio. Só alguém muito triste para dedicar uma vida ao estudo do jeito certo de falar. Tomemos minha querida mãe como exemplo: ela falava alembrar e dinozauro. Eram suas marcas registradas. E não há argumento que me demova da ideia de que qualquer lagartixa vira o Godzilla quando a gente fala dinozauro. Alembro de bons momentos ao redor da mesa, quando essas e outras palavras davam cor e vida às nossas conversas.
Onde o acadêmico da Ortoépia enxerga um engano, ele deveria enxergar arte. Às vezes, um aparente erro traz consigo uma concisão e uma elegância ímpares. Para citar um exemplo clássico, vejam o caso do poblema. A retirada de uma letra encurta a palavra, facilita a pronúncia e, ouso dizer, enfatiza o significado. “Mas quem tem um poblema, tem dois”, diria o ortoépio* chato. Problema de quem tem o poblema, oras. Cada um que cuide dos seus.
(*Puxei um asterístico aqui para dizer que nem sei se quem estuda isso se chama ortoépio. E sendo bem sincero, tomara que esteja errado.)
Quem escolhe estudar Ortoépia só pode ser uma criatura amargurada, neurótica e solitária. É aquele sujeito que ninguém quer convidar para uma festa. Imagina você oferecer um enroladinho de salchicha e ter que ouvir a réplica do insuportável: “É salsicha.” Ou pior:
– Aceita um lanche de carne louca?
– É alcatra?
– Não, é largato.
– A pronúncia correta é lagarto.
Ah, vá para o diabo. Tomara que engasgue com o lanche. Dependendo do humor do dia, sou capaz de dar um soco num chato desses. E se quiser me processar depois, que fale com o meu adevogado.
Imagem: Pixabay
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Comentários
Lembrei de umas pérolas da minha família. Eu tive uma tia que entrou na menopausa e me disse que estava com problema nos homônimos. Uma outra operou da penicite, um terceiro estava com dor no celebro. E por aí vai...
São relíquias, não dá pra vir um estranho desconectado e corrigir.
Muito bom de ler teu texto!
Minha família também tem ótimos exemplos do uso de palavras que seriam corrigidas pelo chato, mas com uma comunicação brilhante e até poética. Como dizia Patativa, "é melhor escrever errado as coisas certas do que escrever certo as coisas erradas."&