MOMENTOS >> Sergio Geia

 


Era um momento tão especial, não sei se especial seja a melhor definição para aquele momento, talvez precioso, como um diamante. Era um momento tão precioso que eu não queria que ele se quebrasse, como se quebra um copo de vidro que escorrega das mãos, embora sabendo que eu não teria controle algum sobre ele. 
 
Não importa. E, aliás, um parêntese, controle é ilusão que o humano insiste em alimentar, pura ficção. O jeito é aceitar que não controlamos nada; dói menos. Tudo bem. O que quero dizer é que o momento era tão precioso que a vontade era de segurá-lo com todo o cuidado, tocá-lo levemente, se possível protegê-lo, o desejo de proteção que se vê nos olhos de uma mãe que segura no colo o seu bebê pela primeira vez. 
 
Eram duas e meia da madruga quando tranquei a porta. E a ideia veio já no Uber, fixa, batendo na cabeça até doer. Talvez por conta do vinho, da garrafa vazia, da segunda garrafa que o fígado receou. Ele está bem, eu disse dias antes, mas não testei ainda com álcool, o emoji da gargalhada como resposta. Mas a ideia fixa estava ali, cutucando, martelando como sapo-martelo de madrugada, eu precisava procurar e tão logo tranquei a porta foi a primeira coisa que fiz, procurar, na estante, em seu lugar sagrado, Caio F. falava em Ao momento presente, assim: 
 
Como um bebê ou um cristal: tome-o nas mãos com muito cuidado. Ele pode quebrar, o momento presente. Escolha um fundo musical adequado — quem sabe Mozart. Melhor evitar o rock, o samba-enredo, a rumba ou qualquer outro ritmo agitado: ele pode quebrar, o momento presente. 
 
Eu sabia que havia uma conexão, assim como a história do baú, de enchê-lo com bons momentos até transbordar. Guardei o livro, sorri. 
 
O momento era precioso. Não acendi palo santo, mas mesmo de madrugada, abri a sacada, o vento empurrou a cortina, o frio, sim, estava frio, o céu escuro cheio de nuvens, eu via uma estrela, um brilho diferente, ela sempre esteve ali, a estrela, mas agora eu via um brilho novo, e admirava, e gostava, acendi o de baunilha, eu queria o mesmo cheiro, embora lá no fundo eu soubesse que o cheiro que mais me importava era o cheiro que estava em mim. 
 
 
Ilustração: Pixabay

Comentários

Ah, a paixão e seus encantos… adorei! Soraya Jordão
Nadia Coldebella disse…
Ah, o amor... A felicidade eterna que esvanece!!!
Anônimo disse…
O amor é lindo e a felicidade até existe! Ai, ai…
Anônimo disse…
Que texto lindo, não diz nada dela fatos e ao mesmo diz tudo sobre o que realmente importa. Amei a leitura ❤️
Zoraya Cesar disse…
Só vc para desenvolver tal encantamento de maneira tão leve - misturar a realidade (o frio, o uber, o cuidado com o fígado...) com as sensações do momento presente, do momento que não vai mais se repetir na vida concreta, mas existirá eternamente no coração, pq vc cuidou dele, o momento presente. Maravilhosa e romântica narrativa, derramamento puro de coração!
Albir disse…
Que bonito, Sérgio! Agora você poderá ouvir a estrela.
Paulo Barguil disse…
Ah, esses momentos... Cheiros, sons, texturas...

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