(SE)MENTE >> SORAYA JORDÃO


A despeito de rigorosos invernos de saudade, escaldantes verões de paixão e outonos de recomeços, completei 55 primaveras na última semana. Aproveitei a sensibilidade pertinente a esse período de comemoração para pôr em prática a elaboração de uma avaliação de desempenho pessoal. O objetivo era saber se tenho sido eficiente na missão de viver o mais perto possível daquela que me habita no íntimo. Com isso, pretendia descobrir o quanto respeito, promovo e sustento meus desejos e a minha felicidade. Inicialmente, esbarrei com uma dificuldade conceitual porque felicidade, vista de longe, acaba por se confundir com outras coisas que teimam em forjá-la, mas não lhe representam, como, por exemplo, o discurso da vida estável, do sucesso profissional, financeiro, amoroso. Para não cair nesse engodo, estabeleci como critério para pontuação máxima, na minha avaliação, situações nas quais dei atenção aos sussurros interiores, independentemente das cobranças megafônicas (minhas ou de terceiros), e pontuação mínima quando, por preguiça ou impotência, cedi à tentação de ser tudo que o outro sonhou.

Somados os erros, acertos, equívocos e ilusões, concluí animada que tenho sido fiel a mim mesma. Estou mais experiente na arte de evitar, ainda que com algum sacrifício, a disputa por medalhas de reconhecimento social, aquelas oferecidas aos que com afinco se silenciam para dar vida ou a vida a personagens mais valorizadas no mercado afetivo. Para minha alegria, na medida do possível, tenho sido coerente com meus projetos, sem me deixar dominar por essa mania corruptiva de querer atender plenamente às expectativas dos que queremos bem ou apenas queremos que nos queiram bem.

Não é fácil, mas absolutamente necessário, encarar o desencontro, o desnorteio, o vão inerente à distância entre mim e eles.
Sou o erro de cálculo, o resto que sobra na divisão. A verdade que nasce no conflito de expectativas. Não há saída. Mais cedo ou mais tarde, enfrentamos o fato de que nos constituímos a partir de uma certa frustração, uma certa inconformidade, uma certa protuberância, um certo filamento que se desvia do presumido.

Contamos primaveras e acabamos por não perceber que são as folhas que caem que nos preparam para um novo florir feito de rosas e espinhos.

Comentários

Ana Raja disse…
O encanto de um novo florir. Esse é o grande presente da vida.
Lindo texto! Que as suas novas folhas tenham a cor da esperança.
Jander Minesso disse…
“Felicidade, vista de longe, acaba por se confundir com outras coisas que teimam em forjá-la, mas não lhe representam.” Isso tinha que vir escrito em cada folheto de venda de apartamento com varanda gourmet. Parabéns, Soraya!
Nadia Coldebella disse…
"Sou o erro de cálculo, o resto que sobra na divisão." Que descrição mais precisa de um ser humano!
Adorei esse texto, ele é uma linda declaração de se deixar existir.
Agora aguardo a metodologia da contagem de pontos que é pra aplicar a minha própria existência.
Gde bjo
Soraya Jordão disse…
Jander, outro dia me dei conta que escolhi um apto com varanda e nunca vou lá. Vou tentar mudar isso.
Soraya Jordão disse…
Disse tudo, Nadia. É sobre se deixar existir. Bjo
Zoraya Cesar disse…
Bem, antes de mais nada, FELIZ ANIVERSÁRIO!
e que texto maravilhoso de autocentramento, autoconhecimento, autoaceitação. Vida! Como ela é e como vive em nós. Amei demais esse seu texto, um presente de aniversário para todas as mulheres, que deviam aprender, antes que seja tarde demais, que estamos aqui para nos cumprir, e nao cumprir as expectativas alheias

"Contamos primaveras e acabamos por não perceber que são as folhas que caem que nos preparam para um novo florir feito de rosas e espinhos." falou tudo.
Soraya Jordão disse…
Obrigada, Zoraya! Amei suas palavras.
Albir disse…
Parabéns, Soraya, pelo aniversário e pelo texto.
Essa avaliação que sempre me pareceu muito difícil, inatingível mesmo, depois da sua análise me pareceu possível. Vou tentar me enxergar e me dizer essas coisas. Obrigado.
Soraya Jordão disse…
Albir, obrigada pela leitura e incentivo.

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