DONA OLGA >> Cristiana Moura



Era uma vez uma menina, seu nome era Olga, filha de Dona Maria Senhorinha, lá de Sergipe, que, de fato, nasceu em Cabo Verde, país do continente africano. E como se a Terra girasse mais rápido do que sabemos, a menina se fez moça e, como que por magia, aos dezesseis anos já era mulher- mãe. Lá foi Olguinha, mulher negra, na década de quarenta do século passado ser mulher , mãe e trabalhadora , dando conta da vida e de criar, com cuidado, de seu filho, Marco Antonio.

Olga, nome de origem russa, traz como significado santa ou sagrada, aquela que é consagrada por Deus. Dona Maria não poderia ter escolhido nome melhor — trata-se de um nome próprio de mulher de caráter forte e personalidade marcante, mulher capaz de dominar as situações e cujas responsabilidades no trabalho não tem limites. E completo: nem no trabalho, nem na capacidade de amar.

Certo dia, a mulher mãe se fez mulher-avó. Era abril de 1972 e eu nascia. Vida sendo vivida em suas tessituras e Dona Olga se tornou avó de três netos, os acalantou em seus braços e contou inúmeras vezes, as melhores histórias para dormir. Não se tratava de histórias que encontramos nos livros infantis. Não. Era coisa de história sendo inventada na mesma hora em que era contada. Suas palavras iam virando imagens em movimento cor e textura em minha mente infantil. Eram imagens de vestidos bordados e rendados de mar, conchas, búzios, peixes e corais. Guardo na memória cada imagem criada por suas palavras inventadas em hora de criança dormir.

Vó Olga, ou melhor dizendo, Voguinha, como a chamávamos, nos deu um amor que adentrava os sentidos. Bordadeira em cores e imagens , cozinheira de mão cheia fazia o melhor Caruru que já experimentei.

Mulher mãe e avó, quando viu, já era mulher- bisavó. Nasce meu filho: Gabriel. Voguinha cuidou do meu resguardo: 45 dias de amor e cuidado com cada detalhe necessários a uma mulher recém parida e um bebê que acabara de chegar ao mundo. E, quando Gabriel não parava de chorar, fosse em meu colo, fosse no de seu pai, ela chegava tranquila, em passos lentos, e, antes mesmo de terminar de aconchegá-lo em seus braços, já não se ouvia mais o choro.

E bordava, e sorria, e pescava (adorava pescar) e vivia. Mulher-bisavó, certo dia acordou mulher-tataravó. Nasce Miguel Caetano, filho de Gabriel. Sim, eu faço parte das poucas pessoas que um dia disseram: minha avó, pega cá meu neto. E, por seis anos, fomos cinco gerações sentadas ao redor da mesa em almoços e jantares de celebrações.

Voguinha, eu, Cristiana, fiquei com a herança maior: vê-la , a cada manhã, ao olhar-me no espelho. Nós, as mulheres negras da família. Nós …

O sorriso ficou. O tempo passou. Dona Olga “ pode ir tranquila, seu rebanho está pronto”. Voguinha que amando, nos ensinou a amar, agora deve estar bordando com fios de luz e de nuvens tessituras de amor, alegria e paz.

Comentários

Sandra Modesto disse…
Que lindo, Cris. Me apaixonei por tantas histórias da Dona Olga. Receba meu forte abraço.
Anônimo disse…
Lindeza de texto sobre nossa Dodoga, irmã. Pude vê-la e ouvi-la nas suas linhas.
Fabi
Anônimo disse…
Belíssimo, Cris. Suas palavras trouxeram D. Olga em amor e sabedoria.
Manu kelé! disse…
O amor é o fio de luz que nos uni a mãe, nossa ancestralidade!
Ana Raja disse…
Que beleza de escrita, Cris!
Eva Brito disse…
Cris, que texto lindo. Que transgeracionalidade forte e alegre! Receba meu abraço!
Zoraya Cesar disse…
Que privilégio, Cris, ter tido sua avozínha em sua vida, plena e linda, e ainda dar-lhe um bisneto. Parece que ela irradiava luz e amor onde estivesse. Que linda homenagem essa sua. Comovente e profunda!
Albir disse…
Que beleza de história, Cris!
Obrigado por compartilhar conosco.
Nadia Coldebella disse…
Que texto lindo e sensível, Cris!
Compartilho com vc a saudade das minhas duas avós, que amei tanto!
Muito obrigada.
Que lindo texto, e que privilégio raro ter mostrado seu neto à sua avó! Me encantei com as histórias invernadas na hora de dormir. Que dona Olga descanse em paz.

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