ANTÍTESE >> Glênio Cabral

 


Antítese: figura de linguagem que consiste na exposição de ideias opostas. Exemplos: Já estou cheio de me sentir vazio. Vi a cara da morte e me senti vivo
 
Por isso, de todas as figuras de linguagem a antítese é a que mais se confunde com o ser humano. Afinal, todo mundo carrega um oposto dentro de si. Tenho um amigo, por exemplo, que todos os dias acorda feliz da vida. Nos turnos da manhã seu humor é implacável, mas à tarde uma carranca mascara o seu rosto. Não sei o que acontece, só sei que é assim. Pela manhã ele é o cara mais legal desse mundo, tapinhas nas costas e tudo mais, mas à tarde se mostra recluso e mal humorado. 
 
Alguns diriam que meu amigo sofre de transtorno bipolar, patologia que causa terríveis variações de humor. Pois eu digo que o que ele tem é excesso de antítese no sangue, isso sim. 
 
Aliás, o poeta americano Walt Withman foi o primeiro a assumir ser portador dessa patologia gramatical: “Eu me contradigo? Pois bem, sou muitos!” 
 
Pois é, somos muitos. E porque somos muitos, somos felizes e tristes, malvados e bonzinhos, otimistas e trágicos, heróis e vilões, fracos e fortes, inteligentes e burros, e tudo isso ao mesmo tempo. Isso explica porque ninguém é 100% alguma coisa. Somos seres divididos, binários, ternários, quaternários, e a antítese em nós é que faz com que sejamos, no máximo, parcialmente alguma coisa. Nunca totalmente. 
 
Mas se a antítese é sempre o lado contrário de tudo, teria ela uma oposta para si mesma? O que seria o contrário dessa figura de linguagem? Em outras palavras, qual seria a antítese da própria antítese? 
 
Eu diria que é a uniformidade. Não a uniformidade positiva, aquela que agrega e fortalece as pessoas, mas a uniformidade que traz o marasmo, o paradeiro, a ausência total de conflitos e mudanças. É o comodismo disfarçado de calmaria, a preguiça travestida de satisfação, o medo que finge ser sossego e serenidade. Por isso precisamos tanto da antítese. São suas contradições que nos deixam em crise, e são as crises que nos forçam a sair do lugar, a mudar a forma de pensar, agir, interpretar a vida, a deixar a zona de conforto rumo a mudanças necessárias. 
 
Que venham os opostos, então! Que venham as crises! E da próxima vez que me perguntarem o que é frio e calor, eu direi que é crescimento. Direi que é crise. Direi que é antítese. 
 
 
Glênio Cabral é graduado em administração de empresas e pós-graduado em gestão de pessoas. Como escritor, possui um projeto literário a ser lançando em breve, intitulado Com a palavra, a anta: uma abordagem bem-humorada sobre a prática da empatia. Também é autor da coletânea de crônicas Gramática de Vida, publicada nesta revista digital. A literatura é uma tábua na qual se agarra dia após dia, na esperança de não ser tragado pelas ondas da realidade. Também comete algumas ilustrações em @gleniocabralilustrador. 
 
* Uma parceria com a Revista O Bule.
 
Ilustração: Pixabay

Comentários

André Ferrer disse…
Cada um contraria a tese que merece.
Zoraya Cesar disse…
Fujamos da uniformidade do marasmo, da paz do cemitério, onde estaria tudo bem não estivessem todos mortos.
Nadia Coldebella disse…
Lembrei das minhas aulas de filosofia: tese, antítese (o oposto a tese) e síntese (o caminho do meio). Caminhar no meio é difícil, tecer uma tese é fácil. Mas a antítese dói. Texto instigador!

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