CONHECEREIS A VERDADE >> Albir José Inácio da Silva
No início ninguém ligou muito, só a mãe percebeu, mas
agora todos se assustaram. Quem era aquele novo ser?
Bindito, como o chamava a avó, começou a evitar as
reuniões de família e passava o dia em frente ao computador. Na mesa do jantar
não brincava, não ria, não tirava os olhos do celular e era defensivo nas
respostas, quando respondia.
Piorou quando ele trocou o silêncio por discursos
agressivos, evocando conspirações e ameaças dos inimigos. Inimigos eram quase
todos: a ONU, principalmente a OMS, os cientistas – todos satanistas, os gays e
as universidades públicas. E desconfiava até de alguns membros daquela família,
avisou.
Eu conheci Benedito quando a Terra ainda lhe era
redonda. Falava do amor cristão sem fogueiras,
fuzis ou metralhadoras. Gostava de ler e conversar, escrevia versos açucarados
e era só gentileza. Um “fofo”, como diziam todos. Nunca foi afetado pelas más
influências. Pelo menos não naquela época.
Mas agora ele pregava cloroquina mesmo quando Trump
parou de defendê-la. Atribuiu a derrota do republicano a forças demoníacas que
precisavam ser combatidas pelos homens de bem. E começou a falar mal das
vacinas antes mesmo que estivessem disponíveis: umas traziam o chip da besta,
outras o vírus chinês do comunismo e todas eram imposição dos laboratórios da
esquerda vermelha soviética.
Às vezes interrompia o discurso inflamado,
consultava o celular e emendava em citações dramáticas e ameaçadoras. O que
quer que lhe tomava o corpo e a alma vinha das redes sociais. No início acharam
que fosse droga, embora ele nunca tivesse usado nada. Depois pensaram em sequelas
de uma contaminação assintomática de covid. Mas nada foi confirmado.
Mesmo nessa crise doméstica, a família não descuidou
da saúde. E redobravam os cuidados com a vovó, octogenária que virou o xodó da
família depois que não havia mais crianças. Todos tomaram vacina, os mais
jovens pelo menos a primeira dose.
Todos menos Benedito, claro. Ele continuava dizendo
que não tomava nem amarrado. Nunca usava máscara, apesar dos protestos. Os
embates continuaram, com as pessoas evitando conversar ou encontrar o rebelde.
A vida prosseguia com a insegurança de 2021, quando
a vovó passou mal, testou positivo e foi internada. Aí acabou a graça!
E acabou a paciência com Benedito. Só havia um
culpado, não vacinado e sem máscara naquela casa. Alguém ia pagar caro!
A notícia da internação trouxe parentes indignados. Benedito
encontrou a casa cheia, o que por si só não significava nada, que aquela gente
adorava se juntar, mas o silêncio o assustou. Nem chegou a perguntar.
- Vovó foi internada, Benedito, advinha por quê? – explodiu
o primo.
Antes que respondesse, foi cercado. O pai não estava
presente, acompanhou a avó ao hospital, e os protestos da mãe de nada adiantaram.
Foi um massacre, quando tentava fugir, alguém o cercava e derrubava. Pontapés, socos,
sapatos, vassouras e cabides, tudo servia pra bater.
- Eu tomei! Eu tomei a vacina! – gritou ele no chão depois
de alguns minutos entre um chute e outro.
- Mentiroso! Você é negacionista! Idiota! Parricida!
- Está aqui! – disse Benedito, tentando tirar a
carteira do bolso.
Natália, a irmã mais exaltada e que batia com mais
força, arrancou-lhe a carteira da mão. Cartões e papéis foram para o chão até
que ela encontrou comprovantes de vacina. Seis! - duas doses de três fabricantes
diferentes. Além de três carteiras com fotos de Benedito, duas com outros nomes. Sempre foi bom de informática,
o Benedito!
Com hematomas e fraturas, sangrando na testa e no nariz,
ele foi levado para o hospital. Explicou que rolou a escada – as explicações,
claro, ficaram por conta dele.
Vovó, vacinada com duas doses e a caminho da
terceira, melhorou e teve alta para concluir em casa o tratamento.
Benedito, com seis doses, ainda não.
Comentários
Abraços, irmão!
HAHAHAHAHAHA