COPAS, COMPLEXOS E RECAÍDAS >> Albir José Inácio da Silva

 

Em 1950 o Brasil tinha a melhor seleção da copa e todos os motivos do mundo para ser campeão. Perdeu - explica Nelson Rodrigues – pelo complexo de viralatas. Por esse complexo o Escritor Maldito entendia “a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo.”

 

Injustificável o viralatismo já que o Brasil vivia os anos dourados e o mundo se admirava com a copa de 58, Pelé, Didi, Garrincha e Nilton Santos. Seguiram-se a inauguração de Brasília, os 50 anos em 5 de Juscelino, Tom Jobim e a bossa nova no Carnegie Hall, o bicampeonato da seleção em 62 e Ieda Vargas no Miss Universo.

  

Era um tempo de mudanças, o país foi para o divã e pôde erguer a cabeça. O Brasil se ufanou e os complexos pareciam curados. Mas a recaída faz parte do processo, dizem os terapeutas. O Brasil abandonou o tratamento, a dignidade e a altivez, assumiu-se colônia e fez tudo o que Tio Sam mandou. Em 64 pediu ditadura com Deus e pela família.

 

Em 68 ganhou AI-5 que torturou e matou os filhos de Deus e das famílias. Sem liberdade, bateu continência, engraxou botas e tirou cadeia. Comemorou a copa de 70 sem saber do que acontecia nas masmorras da repressão política porque a censura proibia. Mas a imprensa internacional e os exilados espalharam pelo mundo as barbaridades subterrâneas do tricampeão.

 

Lama. Consciência da lama. Reação. Em 85 a ditadura caiu de podre e o país chegou à redemocratização, à constituição cidadã, à esperança.  O Brasil voltou às manchetes não mais pela tortura e assassinatos, mas porque fez acenos ao bem estar social, à igualdade, à erradicação da fome. Tempo de médicos e universidades para todos e bolsas no exterior.  Brasileiro sentiu orgulho e o mundo disse bem-vindo!

 

Em 2014 sediamos pela segunda vez a Copa do Mundo. O massacre de 7 x 1 para a Alemanha prenunciava difíceis momentos psiquiátricos.  Fantasmas que julgávamos enterrados voltaram a nos assombrar com discursos de golpes, ditaduras, torturas e assassinatos.

 

Agora, em plena pandemia de corona, o governante se declara antivacina e anti-isolamento. A ministra diz que foi um erro da igreja deixar os cientistas tomarem conta da ciência.  Tem parlamentar exibindo atestado médico para andar sem máscara.

 

O secretário de cultura faz discurso nazista fantasiado de Goebbels. A Fundação Palmares, de defesa da cultura negra, é racista. O chanceler diz que a política externa do governo pode transformar o Brasil num pária internacional, e comemora isso! A esquizofrenia se espalha.

  

É assim que voltamos às páginas internacionais e às telas do cinema, com o presidente comparado a Kim Jong-un. Vamos torcer para que a belicosa e nuclear Coreia do Norte não se sinta ofendida.

 

Sempre nos indignamos quando diziam que nossa capital era Buenos Aires. Agora tem brasileiro na Europa se disfarçando de argentino.

 

Se arrastamos um complexo de viralatas naqueles anos felizes, que bicho nos traduzirá agora?

 

É melhor não saber de nada e ficar com as notícias dos sites amigos. Melhor esconder a cabeça mesmo expondo o resto do corpo.  Melhor e mais honesto sentir-se avestruz.

 

Comentários

Sandra Modesto disse…
Uma crônica imprescindível para leitura. Muito bem estruturada e jornalística. Parabéns, Albir.
Albir disse…
Obrigado, Sandra!
Zoraya Cesar disse…
Suas crônicas de viés sociopolítico são leitura obrigatória!

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