SALVE, SALVADOR >> Sergio Geia
Descemos
no Aeroporto Luís Eduardo Magalhães, região metropolitana de
Salvador, pouco depois do almoço, e tão logo coloquei os pés na
capital baiana, uma voz começou a me cantarolar coisas no ouvido. A
insistência foi tamanha que mesmo antes de pegarmos as malas eu já
cantava: “Ah, que bom, você chegou, bem-vindo a Salvador, coração
do Brasil...” Mesmo no carro da amiga da minha namorada que veio
nos buscar, enquanto as duas conversavam altos papos sobre a vida, eu
me via, vez ou outra, balbuciando baixinho palavras, coisas do tipo:
“Ah, que bom, você chegou, bem-vindo a Salvador...”
Como
um chiclete que gruda na sola do sapato e não sai, eu estava bem
musical, bem axé, diga-se. Talvez só tenha parado de cantar e me
silenciado quando deitamos nossas coisas e nossos corpos na praia de
Vilas, e aí, quem cantou foi o mar, num espocar de ondas macio e
sonolento. Acordamos com uma boa batida de limão, camarões,
acarajé, que lindas baianas vendiam no mesmo lugar em que alugavam
cadeiras.
Perambulando
pelo centro, bati os olhos numa placa que indicava “Praça Castro
Alves”; a lembrança foi instantânea: ”A Praça Castro Alves é
do povo, como o céu é do avião”. Digo que a praça me acompanhou
até o Pelourinho, quando foi substituída, entre fitinhas coloridas
no braço, de Nosso Senhor do Bonfim, e baianos ambulantes vendendo
de tudo, pelo clássico: “Salve, Salvador, me bato, me quebro, tudo
por amor, eu sou do Pelô, o negro é raça, é fruto do amor, salve,
Salvador...”, e mesmo numa feijoada carioca, lá estava ela:
“Salve, Salvador...”, grudada nas entranhas, que até acho ter
percebido um certo desconforto de minha companheira, talvez já
cansada por ter uma vitrola ambulante, uma espécie de spotfy
baiano ao seu lado.
Mas
não me dei por vencido. Diga-me, amável leitor, com sinceridade:
como passar uma tarde em Itapuã e não me lembrar dela? Ah, meu
querido, impossível. Mesmo com um mar não tão limpo, mesmo com
pessoas estranhas dançando funk na areia, embaladas por um
som de estourar os ouvidos, em meio a coqueirais, sol, mar e água de
coco, numa tarde belíssima, digna de cartão postal, timidamente eu
comecei, mas logo já cantava a plenos pulmões: “Passar uma tarde
em Itapuã, ao sol que arde em Itapuã, ouvindo o mar de Itapuã,
falar de amor em Itapuã”, e mesmo no táxi, quando ela dormia, lá
estava eu cantarolando baixinho, ainda emocionado com a beleza da
vida.
Trago
boas recordações dessa viagem, que ocorreu há mais de dois anos.
Hoje, porém, ela me veio, e esses detalhes que me chegaram como
notas musicais; você entende.
Ainda
que tenha sido surpreendida por esse meu lado excessivamente axé,
disse a ela, tentando contornar um pouco o constrangimento da
situação, sem muito sucesso, é verdade, que a música torna a vida
mais colorida, que não há nada mais energizante que cantar. Vivemos
bons momentos e não será um repertório baiano de um cantor amador
que irá apagá-los ─ ainda que não me saia da cabeça seu olhar
felino ao me ver encarar São Paulo de cima e, com saudades,
balbuciar: “É sempre lindo andar, na cidade de São Paulo...
lembra dessa?”
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