DESCONSTRUÇÃO >> Carla Dias >>


É um engasgo dos mais engasgados que já sentiu.

Está ali, olhar fixo no dele, aquele que passou a vida a cortejá-la em silêncio. Sabe como? Com os lábios secos, pelos eriçados, olhar que já encontrou o alvo dos primeiros toques, eles que nunca aconteceram. Foram calados pela espera. E ela foi corrosiva, imperdoável, rancorosa.

Agora, ali estão: sentados um de cara com o outro, à mesinha capenga do bar da Dona Odete. Entre eles, cerveja e suco de caju, mais uns petiscos que não a interessam em nada.

Ele ainda olha para ela daquele jeito profundo, cativante e, em tom de desnudamento, de fazer muitas corarem. Não ela. Não mais.  Ela dá de ombros, explicitando o desapontamento empoçado em seu espírito que, por tanto tempo, sentiu-se pronto para aceitá-lo.

Agora, sente-se antiga demais para tal aventura.

Então, que desengasga e engata um “não”. Ele murcha, como ela costumava murchar a cada vez que eles se despediam sem que ele pedisse para ela ficar.

Ela sorri, infeliz.

Imagem: Sous les Oliviers, Coquetterie © Francis Picabia

carladias.com

Comentários

Anônimo disse…
"... mesinha capenga do bar da dona Odete." Onde, que beco, que rua mixuruca, será que fica este bar da dona Odete?

Genial!

Abraços,
Enio
Carla Dias disse…
Ah, Enio, o bar da Dona odete fica no instante da contemplação pré desfecho inesperado. Beijo!

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