FÉ, CORAGEM E PERNAS - final >> Albir José Inácio da Silva
(Continuação de 14/04/2025 –
Oprimido pelo medo durante toda a sua vida, Valentino sentiu inveja do novo e
destemido colega de trabalho. Mas o despeito se transformou em admiração quando
ouviu do outro, sempre muito amável, uma história igual a sua, de medo e
insegurança, transformada em ousadia e determinação. Se Valentino ainda não
tinha encontrado sua coragem, tinha descoberto seu ídolo, seu exemplo).
Valentino se sentia protegido na
presença do novo amigo. Quando crescesse, queria ser igual a ele - dizia com
admiração e reverência.
Passou a segui-lo por toda parte,
embevecido com seu jeito franco e assertivo no comando dos fiéis. Rubão fazia curso
EAD de Teologia, mas nem precisava, diziam todos, a fé e a determinação supriam
eventuais lacunas teóricas.
Admirava cada gesto do mentor. Nos momentos difíceis, encruzilhadas e cemitérios onde iam
desmanchar bruxarias e quebrar maldições, em que barulhos estranhos faziam
tremer o mais corajoso dos irmãos, Rubão acalmava o rebanho com sua coragem e
suas explicações racionais.
- Não se preocupem, foi o vento
nas vagens secas daquelas árvores.
Quando um assovio arrepiava a
pele das irmãs ou um gemido assustava as crianças, ele tranquilizava a todos:
era só a brisa nas calhas dos telhados ou foi apenas um despudorado namoro de
gatos.
Quantas vezes viu Rubão expulsar
demônios e seus comparsas a golpes de óleo ungido e água do Rio Jordão! Quanto
mais renitente era o bicho, mais bonita a vitória.
O antes taciturno Valentino era
outra pessoa. Comunicativo e brincalhão, não ficava mais no canto olhando de soslaio.
Rubão mudou a sua vida. Mudou seu comportamento, mas principalmente mudou o que
ele pensava de si mesmo.
Até o medo das mulheres
desapareceu. Engraçava-se já para os lados de uma varoa sorridente e tímida,
que Rubão lhe apresentara. “Não é bom
que o homem esteja só!”, recomendava o guru, citando Javé, o criador.
Foi assim que subiram o monte
naquele final de semana, irmãos e irmãs de várias idades, para mais uma vigília
de preces e louvores. Terminados os ofícios, abençoadas as barracas, acomodados
os fiéis, saíram Rubão e seu fiel escudeiro, Valentino, em missão de reconhecimento
pelas redondezas.
Um pouco abaixo viram outro
acampamento que, pelas músicas diabólicas – funk, rock e demais ritmos
mundanos, não era santificado.
- O diabo está em todos os
lugares – observou Rubão com gravidade, reconhecendo o inimigo de outras
batalhas.
Não tinha vento, mas Valentino notou
um tremor mais intenso nas folhas de um arbusto. Aproximou-se. A lua pálida não
deixava ver dentro da moita, mas o movimento o intrigava. A planta tinha autonomia
e ritmo. Pensou na sarça ardente de Moisés, mas descartou, não ardia.
Ouviu gemidos. O coração acelerou.
Teve certeza de que o arbusto era um portal de ligação com o submundo das
trevas e as almas lamentavam sua perdição. Mas não desmaiou nem saiu correndo
como teria feito antes. Fez sinal para que Rubão se aproximasse. Estava assustado,
mas a presença do líder o tranquilizava.
Os sussurros e gemidos ritmados aumentaram
de intensidade até que se transformaram em uivos simultâneos numa agonia de
vitória final.
Em pânico, mas confiante e
reverente, Valentino olhou para o mestre:
- Pastor, cadê o óleo ungido e a
água do Jordão?
- Corre, irmão, corre! – gritou Rubão,
já muitos passos à frente.
O que os olhos não viram no
interior da moita, e os ouvidos captaram, foi a confusão de braços e pernas de
um casalzinho desgarrado do acampamento libertino.
Comentários
Agora, caro dom Albir, com esse talento para assustar varões, o q vc tem contra a Fraternidade da Pá?