COLOR BLOCK >>> Nádia Coldebella

Começou a coisa toda convicta. Uma decisão muito pensada é uma decisão bem firmada, pensou. Sustentava para si mesma a teoria que a tempestade só causa comoção na superfície do oceano. No fundo do mar, a água seria calma, quem sabe morna.

Só que nessa manhã ela acordou com medo. 

Examinou bem os próprios sentimentos. Fazia isso diariamente, agora, porque queria compreender cada detalhe da experiência. Desceu bem no fundo. Usou até um submarino. Se olhasse bem para dentro de si, veria que a confusão e a balbúrdia estavam só na superfície. Bem no fundo haveria paz, serenidade. E certeza.

Mas só encontrou medo.

Assim como as cores, sentimentos tem tom. Esse medo não paralisava. Não desesperava. Mas era um medo muito bem pigmentado, muito bem sedimentado, pesado e concreto. Se fosse uma cor, seria verde musgo. Se fosse uma coisa, provavelmente um grande bloco. Não seria movido tão facilmente. E esse bloco pesado e verde musgo trouxe um pensamento.

Não era bem isso o que ela queria. 

Estava se preparando para fazer o castelo de sua vida ruir. Aplainar o terreno. Retirar as pedras. Mas ficaria tudo vazio. Nessa idade. Será que vou ter tempo de construir outra coisa?

Não, não era bem isso o que ela queria. Ela queria que ele falasse não, não vamos fazer isso, não vamos derrubar nada. Vamos lutar. Eu não quero deixar você ir. Era isso o que ela queria. Que ele lutasse por ela.

Mas não foi isso que aconteceu. Ele não reagia. Era um tipo de vítima. Resignado, conformado, dominado. Ela sabia que depois explodiria a raiva, já vira isso antes.

Eu estou confuso, ele disse. Eu ainda não decidi, ele disse. Eu sinto  isso. Eu sinto aquilo. Eu quero isso. Porque foi comigo. Porque eu não sei. Talvez eu fique. Eu. Eu. Eu.

Eu também decido, ela lembrou. 

E percebeu que mesmo com o grande bloco verde musgo e pesado chamado medo de que ele não lute, a decisão era óbvia.

- Eu tô lascado - ele disse. Se isso acontecer, eu vou viver mal financeiramente.

Então era isso. O bolso.

Comentários

Jander Minesso disse…
“Se fosse uma cor, seria verde musgo. Se fosse uma coisa, provavelmente um grande bloco.” Uma descrição desgracenta, mas ainda assim pareceu mui precisa.
Zoraya Cesar disse…
Um texto que encontra ressonância em qualquer pessoa que já tenha tido um relacionamento sério e já nao está na casa dos 20. Ainda bem que o bloco é grande, é assustador, dá medo mesmo, até pq, qto mais fundo ele está, mais difícil de mover, mas, veja, tem um dia q ele afunda. E sua existência nao nos amedronta nem atrapalha mais. Ele existe, mas nao tem vigor. E, com o tempo, cracas se formarão, algumas algas e corais nele crescerão e o que era um bloco sólido, pesado e assustador, passará a ser um ninho de vida. E será esquecido.

Agora, a DOR, de ouvir que o outro nao quer que vamos embora por questões financeiras... ah, essa dor é bem mais assustadora que qq medo de recomeço. Muita boa sorte e determinação pra nossa protagonista. Ela merece.
Anônimo disse…
O meu bloco verde musgo às vezes é um quarto escuro e às vezes é um cachorro tenebroso metido num quarto escuro. Os remédios, às vezes, abrem uma frestinha de luz. Texto muito descritivo. Deu arrepios. André Ferrer aqui.
Albir disse…
A indecisão por motivos financeiros pode ser difícil de ouvir, mas tem a vantagem de decidir para ela, de enterrar definitivamente e sem talvez. Está livre.

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