SEM ESSAS DICAS VOCÊ NÃO VIVERÁ UM GRANDE AMOR >>> Nádia Coldebella


Começo esta crônica dizendo que recentemente fui abduzida ao mundo dos doramas. Para quem não sabe, doramas são séries asiáticas. Tem pra todo tipo de gosto. Gosto principalmente das produzidas na Coreia, mas tenho me curvado recentemente às chinesas.

Antes que alguém me julgue dizendo que abandonei os padrões ocidentais, digo, em minha defesa que um escritor nao pode ter preconceitos, deve explorar universos diferentes e refletir sobre eles.  Isso faz muito bem, inclusive para não paralisar o cérebro, que, como todo o corpo, precisa receber estímulos diferentes para se desenvolver. Além disso, eu posso colocar a culpa da minha filha mais nova, que é fã, sabe o nome de cada ator, tem aprendido várias palavras coreanas e me fez prometer economizar dinheiro por quatro anos, para que, no final do ensino médio, ela possa visitar a Coreia. Eu, como mãe zelosa - e de férias - que sou, tenho a obrigação de supervisionar cada uma destas séries, me inteirar dos acontecimentos e me emocionar com ela. E também ser a parceira da vigem, lógico.

Em meu favor, eu aproveito a minha condição de vítima passiva do inevitável para observar sistematicamente - quem me conhece, sabe que sistematicamente é meu sobrenome. A minha observação atual tem se centrado nos elementos que compõe um romance e, dado ao meu nível de abdução no momento, posso afirmar categoricamente que se esses elementos não estiverem presentes no desenvolvimento de seu romance, você será um fracassado no quesito viver um grande amor. 

O primeiro deles é a chuva. Um romance nascente sempre precisa de chuva para regar a sementinha do amor. De preferencia um toró, uma enchente, um dilúvio. Nesse momento é esperado que você esteja encharcado, numa situação vexatória. Não se preocupe, o universo conspirará a seu favor e você será salvo pelo seu crusch, que aparece muito convenientemente com um guarda-chuva transparente. Se for homem, será alto, forte, de olhar profundo. Se for mulher, será bem comunzinha. Você olhará ardentemente em seus olhos e ele retribuirá o olhar, mas vocês ficarão parados, de cinco a oito segundos, naquela chuva torrencial, para em seguida não acontecer nada. Mas essa paralisia úmida é muito importante no quadro geral, pois aparecerá sempre na sua memória e na do seu crush, nos momentos de flashback, apesar de ser certo que você pegue um resfriado.

Resfriado é necessário. Ele é a desculpa perfeita para você ficar em estado terminal por cerca de dois dias, enquanto o candidato aparece, sem qualquer intenção visível, na sua casa, para trazer sopa, medir sua febre, te cobrir, etc. Haverá um momento mágico, em que vocês ficarão muito próximos, olho no olho e, depois de cinco a oito segundos de pura paralisia, se afastarão. É gripe, não dá pra arriscar, mas você ganha mais uns pontinhos no quadro geral. 

Um terceiro elemento mega importante é uma quase queda seguida de um salvamento. Se for feita do jeito certo, em geral a mocinha - mas pode ser o mocinho também - tropeçará sem motivo nos próprios pés e o herói estará pronto para salvá-la, agarrando-a pela cintura, fazendo-a girar 360 graus para então firma-la contra o peito num forte abraço, possibilitando que, de cinco a oito segundos, os envolvidos se olhem profundamente, para depois se separarem constrangidos.Vale muitos pontos. Vale mais pontos se for num dia de chuva com um guarda-chuva transparente, seguido do resfriado. 

Uma versão mais ousada é quando, durante a tentativa de salvamento ou dado a qualquer situação vexatória de cunho inescapável, ambos caem, um sobre o outro, e as bocas se encontram. De cinco a oito segundos ficarão assim, com a boca encostada, paralisados, para depois se afastarem envergonhados. Ninguém chama isso de beijo, mas os envolvidos sonharão que sim. Vale muitos pontos.

Uma bebedeira também é regra. Um dos dois entortará os canecos e confessará o amor. No outro dia não lembrará ou fingirá que não. Ou tentará escapar, evitar o coleguinha. A essa altura, o amor já está no ar, mas ainda não será admitido por ninguém. Rende muitos, muitos pontos no quadro geral.

A verdade é que tudo gira em torno da expectativa do primeiro beijo do casal. No caso, é quase que regra que seja um casal que nunca namorou, nunca beijou, nunca viveu relação romântica. Não importa se forem adolescentes ou se estiverem com trinta anos. Importa nunca ter participado de qualquer tipo de pegação. Ou se participou, que esteja em estado de abstinência. Ou que mesmo sendo pegador, tenha um nível acima da media de timidez, vergonha ou autocontrole para não tocar na pessoa sem permissão explicita.

Quando o beijo acontece, ele precisa seguir uma certa regra. Nunca será ardente logo de cara. Começa com um selinho, seguido de uma pausa de cinco a oito segundos para que as partes se conscientizem do inevitável. Segue uma aproximação lenta, por iniciativa de um dos dois. Se for a mocinha quem fizer, ela ficará na ponta dos pés e beijará o coleguinha que se sentirá surpreso. Se for o coleguinha, ele se curvará e segurará a cabeça da mocinha. A interação dura cerca de cinco a oito segundos e dificilmente o expectador verá movimentos de lábios pra lá e pra cá. São lábios só encostados mesmo. Se houver uma nova separação de corpos apos cinco a oito segundos, pode ser que evolua para um beijo mais ardente, em que a mocinha entrelaça o pescoço do mocinho e esse a abraça fortemente. As vezes um pesinho levanta. Mas fica nisso, não esperem nada mais que isso. Isso marca o começo do namoro.

Existem outros elementos, que podem variar de dorama para dorama, mas incluem situações de salvamento, muitas situações vexatórias, engraçadas e humilhantes e momentos fofos e inocentes. Também existem situações inexplicáveis, mas, no fim, ninguém liga, porque o que a gente quer mesmo é que os mocinhos fiquem juntos.  

Como o leitor deve ter observado, os momentos paralisantes de cinco a oito segundos são bastante importantes na composição da trama, pois permitem o desenvolvimento da paixão.  Mas não funcionam se os passos que coloquei ai em cima não forem seguidos. Vai por mim, depois de assistir vários, acho que deve funcionar perfeitamente para a vida real.


Comentários

Anônimo disse…
Você analisou a coisa toda e eu cheguei a uma conclusão sobre doramas: eles são ocidentais até os ossos. André Ferrer aqui.
Soraya Jordão disse…
E ainda assim, captura, seduz, envolve. Maldito amor romântico.rs

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