TENTATIVA E ERRO >> whisner fraga

 


uma guerra,

uma batalha pequeno-burguesa, mas real,

não é a ultrapassada arenga sobre planos de saúde, assuntos de ontem,

se brincar este também é de anteontem, mas tem me afligido,

tirem o "planos" ali do termo, um vocábulo preso ao mercado, eliminem a preposição, de utilidade diminuta, mais para os lados dos enfeites e nos resta a palavra "saúde",

por si mesma deveria representar um bocado de coisa: alegria, esperança, alívio, sossego, muito mais,

os exames de rotina fazem parte deste ritual: uma peregrinação, às vezes,

bobagem ficar dez, onze, horas em jejum, correndo atrás de um laboratório, de outro, outro, porque nunca é onde indicaram aquele em que eu deveria estar,

o problema é o método,

tenho a impressão de uma falta de ciência, embora usem a terminologia mais disseminada nesse campo: tentativa e erro,

um frio na barriga, 

se está tudo bem: tapinha nas costas, sorrisos cúmplices, amenidades, até daqui a seis meses,

mas se há algum destaque em vermelho, letras garrafais, alerta máximo, neons: 

o mundo começa a olhar torto: mais um doente,

a enfermeira condena: tsc tsc, o senhor toma remédio pra isso, praquilo, um questionário de duzentas e cinco questões, patologia preexistente?, o convênio cobre?,

liga daqui, telefona dali, digita dacolá, solicita, escaneia além, enter: tsc tsc,

lembro da propaganda na kiss fm: o que eu tenho é grave, doutor?,

mais exames, mais jejuns, mais filas: é o processo,

e ele vem abarrotado de dúvidas,

pressão sobe, pressão abaixa, calafrios, palpitações, dores, vertigens, me sinto em um avião e ninguém avisa se o voo está de acordo com o planejado,

não há planejamento,

tentativa e erro,

mais erro do que tentativa?,

as máquinas não mentem,

mas e quem manipula as máquinas, quem interpreta as máquinas, quem realiza a manutenção das máquinas?, quem vende as máquinas?, 

ludibriam, erram?,

o que eu tenho é grave, doutor?,

você não tem nada,

ou tem?


-----------


imagem: dall-e.

Comentários

Ufa Whisner, estes exames, esta espera, as reações do corpo médico… são de fato uma coisa que aflige a gente. Vivi isto com minha mãe… e acho que você transmitiu muito bem esta aflição. Nesse processo o paciente acaba sendo tratado como apenas isto, um paciente, e seu texto devolve à ele sua dimensão de sujeito. Lembrei de uma história de minha ex-orientadora que, quando teve câncer, na hora de preencher o formulário, no ítem “doutor”, ao invés de escrever o nome do médico, por ato falho, marcou “em antropologia”.
Anônimo disse…
É assim mesmo. Cada vez pior. Quem está no conrtole? Aparentemente, ninguém. Tantos procedimentos! Quem governa tudo isso? Ora! Nada faz sentido principalmente para quem está no lugar do paciente. Sensação angustiante. André Ferrer aqui.
Soraya Jordão disse…
Há 16 anos passo por isso. Acrescento a essa angústia, o aborrecimento com os exames que o plano de saúde não cobre, embora nos cobre absurdo de mensalidade.
Jander Minesso disse…
Empático, triste, real.
Zoraya Cesar disse…
Whisner, com sua técnica de sempre, vc expôs um sofrimento pelo qual todos passamos em um ou outro momento da vida. E a coisa só tende a piorar. Me deu até uma aflição aqui.
Albir disse…
Acredito que essa tensão adoeça mais que as doenças que conseguiríamos sozinhos. É uma indústria, vale milhões de dinheiros, e somos a mercadoria.
Nadia Coldebella disse…
Parece haver método até nisso.
Frustrar, sofrer.
Me questiono sempre sobre isso, sobre o status de gado que nos rodeia. Porque no fim é assim que somos tratados, né?

Postagens mais visitadas