À NOSSA >> André Ferrer
—
Euclides, então, é uma homenagem ao sábio!
—
Nada consta. Meu pai era fã do Euclides da Cunha.
— O
corno...
—
Maldade sua meu amigo... “Aquilo que pode ser afirmado sem provas também pode
ser negado sem provas.”
Tais
palavras eram de Euclides. O geômetra grego. Não o repórter de O Estado de São
Paulo que cobriu Canudos.
Euclides
bebeu a cerveja do seu copo. Apanhou o cigarro e franziu os olhos quando houve
fumaça.
Ele repetiu:
—
“Aquilo que pode ser afirmado sem provas também pode ser negado sem provas.”
Euclides de Alexandria.
Prosseguiu:
—
Sempre que leio ou escuto essas palavras do meu xará, penso na angústia
daqueles doutores da Igreja. Agostinho, Tomás de Aquino, enfim, todos
desesperados! Afinal de contas, era preciso arranjar todo um esquema de
invenção de provas.
Euclides — o
meu interlocutor — era bipolar.
Terminou de
rir. Eu pedi outra cerveja. Ele voltou à melancolia. O pau quebrava perto de
onde estávamos e o “Clidão” ali, passivo, irreconhecível, excessivamente
preocupado consigo mesmo, ainda que lá dentro ele continuasse enforcando o
último padre nas tripas do último imperador.
— O
que foi agora?
— O
tal exame de fundo de olho diz que o diabetes vai me cegar dentro de pouco
tempo.
—
Tenha fé —
provoquei.
O velho
anarquista sequer me xingou. Levantou os olhos para a TV logo acima da cabeça
do dono do botequim.
—
Onde estão agora?
—
Perto. Sabe aquela agência bancária na frente do farol? Então, daqui a pouco,
vamos ter que abaixar as portas. Puta que pariu!
Euclides
ficou em pé. Tremeu. Era flexível e altivo como uma palmeira imperial. Quase
disse isso para o velho, mas, em tempo, descobri o mau gosto. “Clidão” acendeu
os grandes olhos azuis além da catarata e de camadas e mais camadas de
pálpebras. Aquelas rugas bem como as chibatadas com que a polícia moldara
aquele ser, imediatamente, comoveram-me. Sim. Eu sabia. Mas ainda assim
perguntei:
—
Aonde vai?
—
Eu preciso ver antes que seja tarde.
Enquanto
Euclides dobrava a esquina, pensei nos doutores da Igreja e na infinidade de
provas que se acumulava desde então.
No topo
dessa montanha de "entulho teológico" está a fé das pessoas. Mas isso
não é o problema. O problema está no desconhecimento da História e da
existência da tal "fábrica de provas".
— À nossa, “Clidão”!
Comentários
É ver pra crer.